O Mito da Caverna – versão da Academia Platônica de Brasília - Live de 2021
Rubi Rodrigues e Jônatas Rodrigues - 01/03/2021
O MITO DA CAVERNA – VERSÃO ACADEMIA PLATÔNICA DE BRASÍLIA
NB: Esta versão do mito está descrita em formato dialogal configurando projeto de live entre duas pessoas, amparada por figuras auxiliares. A cada pergunta (P) numerada, segue-se a resposta (R) devida. (F) indica o momento de entrada de figuras que saem de cena por substituição ou por exclusão. Direitos autorais. Registro 851.475 Livro 1.658. Fl. 88 - Biblioteca Nacional - Escritório de Direitos Autorais. 14/09/2022.
P1 Bom dia, bem-vindos. Meu nome é Jonatas Rodrigues, e tenho a missão de ser interlocutor nesta apresentação do Mito da Caverna, versão produzida pela Academia Platônica de Brasília.
Comigo, o Mestre Rubi Rodrigues, diretor da Academia e autor dos livros que constituem a base da perspectiva filosófica adotada e que se harmoniza plenamente com a filosofia de Platão.
A Academia Platônica de Brasília adota formalmente a missão de ajudar pessoas a sair da caverna.
Você acha que o Mito da Caverna, a passagem mais famosa da obra de Platão, sendo um texto tão antigo, com 2.500 anos, ainda tem algo a dizer ao homem do século XXI?
(Excluir F01) R1 Tem muito a dizer e talvez o homem pós-moderno seja o destinatário principal da mensagem, pois é ele, em toda a história da civilização que, realmente, pode fazer algo a respeito. Uma questão de maturidade civilizatória. Apesar disso, explicar, hoje em dia, a alegoria da caverna, constitui tarefa complicada. Na Modernidade, a Civilização Ocidental empenhou-se tanto, no esmero do discurso racional, que acabou perdendo familiaridade e compreensão do poder comunicativo dos mitos, das alegorias e das linguagens simbólicas. Enquanto o discurso racional vale-se de conceitos, dotados de significados, catalogados em dicionários, os significados dos símbolos distribuem-se em camadas, tal como a cebolaF2: há um significado superficial na forma de casca, mas, à medidaF3 que as camadas são retiradas, novos significados revelam-se. A vantagem do símbolo é que o sentido geral fica logo ao alcance de todos, independentemente do apuro intelectual do leitor. Em contrapartida, os significados mais profundos requerem habilidades inferenciais mais apuradas. Para tanto, impõe-se mergulharF4 e atingir o núcleo central do símbolo, uma jornada exploradora delicada, que requer espírito desbravador ou um guia que conheça o caminho. (Excluir F4)
P2 Você poderia explicar aos expectadores, o que seriam estes níveis de leitura do Mito?
R2 Nos esforços da Academia para entender a alegoria, desvendamos três níveis distintos de compreensão ou três níveis de leitura bem caracterizados, que sucessivamente revelaram-se à medida do avanço do mergulho. Queremos naturalmente sair da caverna, mas, para tanto, impõe-se mergulhar no interior do símboloF5 – outra caverna - que, tal como sucede em cavernas reais, possui, no caso, não apenas um salão logo na entrada, mas três salões sucessivos, ligados por estreitas passagens, cada salão contendo uma porção da verdade que procuramos.
Da verdade contida no primeiro nívelF6, existem muitas versões publicadas em livros e vídeos. Esse é o nível bem conhecido do mito e embora versões distintas destaquem aspectos particulares, em sentido geral, as descrições são adequadas. Já no salão do segundo nívelF7, constatamos poucas pegadas acompanhando as pegadas de Platão. Pelo que nos foi dado perceber, todas tão antigas ou quase tão antigas, como as pegadas do mestre. No salão do terceiro nívelF8, faltou-nos coragem para entrar. Paramos na soleira, iluminamos o interior e vimos um fantástico salão, cujo final estendia-se para além do alcance da vista. Percebemos, então, que a sua exploração requeria mais do que um solitário aventureiro. (Excluir F8)
P3 Sabemos que Platão era metafísico, e que a temática do Mito é metafísica. Você poderia explicar o que é metafísica?
R3 À semelhança dos pensadores pré-socráticos, Platão adotava um modo peculiar de olhar o mundo, uma dada perspectiva filosófica - hoje designada Metafísica –. Esta, perguntava pela essência constitutiva do universo. Eles queriam saber como os deuses criaram o mundo, como esse mundo funciona e qual o papel da humanidade nessa brincadeira. Um olhar exigente, voltado a questões essenciais, indicador de um espírito vigoroso que buscava compreender a ordem da natureza, para saber em que terreno estava pisando. Tinham prazer em conviver com os deuses, mas queriam saber qual era a regra do jogo. Como viver em segurança em um mundo desconhecido? sem entendê-lo e sem saber como funciona?
P4 Você poderia explicar esse modo metafísico de olhar de Platão?
R4 Essa postura diante da natureza, levou Platão a perceber que o mundo que se oferece aos olhos humanos, resulta enganoso, uma vez que a verdade inteligível das coisas reside na essência invisível que determina que as coisas sejam tal e qual se apresentam e não na materialidade que se oferece aos olhos. Com isso, logrou distinguir, na natureza, uma porção visível,F9 que denominou Mundo Visível, e uma porção invisível, que denominou Mundo Inteligível. F10Essa parcela inteligível seria aquilo do mundo que pode ser pensado. Sintetizou tal compreensão afirmando: As coisas que são vistas, não são pensadas, enquanto as essências, são pensadas, mas não podem ser vistas. (Excluir F10) Quando tentou explicar isso aos demais, percebeu que os homens não o acompanhavam, não conseguiam compreendê-lo. Não por deficiência mental, mas por estarem hipnotizados e presos ao Mundo Visível: não conseguiam perceber nada além do visívelF11. Reduziam o universo ao Mundo Visível. Só acreditavam no que viam. Platão percebeu a gravidade da situação: o homem se conduz na vida com base na sua interpretação da realidade e das coisas. Caso essa interpretação seja equivocada, o desastre resulta eminenteF12. Com interpretação equivocada não se chega inteiro ao outro lado da rua. (Excluir F12) Como fazer o homem compreender que estava preso a uma visão equivocada do mundo e adverti-lo do risco que corria?
Em nosso entender, essas foram as questões que motivaram Platão a realizar a sua grande obra. A nosso ver, a alegoria da caverna configura um momento de esplendor da genialidade humana, justamente por ser uma síntese de todo o projeto filosófico de Platão.
P5 Um Mundo Visível e um Mundo Inteligível! Realmente, o pensamento que temos sobre um objeto qualquer é diferente do objeto em si. A ideia de uma árvore é diferente da árvore na natureza.
Muito bem, você poderia nos apresentar então uma descrição da alegoria da caverna, sob a perspectiva de Platão?
F13Descrição da caverna alegórica
Isso posto, Platão vai explorar o que aconteceria se uma das pessoas, de índole mais inquieta, conseguisse libertar-se das correntes e olhando para trás, percebesse o clarão vermelho da fogueira e apesar das dificuldades, conseguisse arrastar-se até a parte superior. Viria primeiro que existe um grupo de pessoas não totalmente imobilizadas, responsáveis pela manutenção da fogueira e pela programação do trabalho dos carregadores e se daria conta que as imagens projetadas na parede do fundo não são a realidade, mas apenas a projeção das peças carregadas. De repente se daria conta de como funcionavam as coisas ali e que havia um governo da caverna, sem ainda dar-se conta de que se tratava de uma caverna. Mas ai, diz Platão, após acostumar-se com a claridade da fogueira, eis que por traz dela ele percebe um clarão ainda mais forte, de uma luz amarelada e apesar do desconforto e da dor nos olhos que aquela luz provoca, decide para lá encaminhar-se e, ao ultrapassar o umbral vê-se diante da luminosidade intensa e ofuscante do Sol, sendo forçado a fechar os olhos. Aquela luminosidade inicialmente lhe parece insuportável. Mas logo descobre que pode abri-los lentamente e aos poucos vai descortinando: primeiro, vultos envoltos em névoa e depois paulatinamente, o contorno e a forma de todas as coisas e finalmente, as cores; a profusão e a beleza das cores. Descobre toda a exuberância da natureza planetária e à noite vê as estrelas no firmamento. Finalmente com os olhos adaptados, pela manhã consegue fitar o próprio Sol e percebe que é ele, o Sol, o responsável pela vida e pela natureza exuberante que o cerca.
Aí ele se dá conta que vivera numa caverna escura e sem cor e ao lembrar-se dos amigos ainda presos lá dentro, precisa voltar e libertá-los. Ao entrar na caverna enfrenta a transição: precisa acostumar novamente seus olhos à escuridão, mas só o consegue em parte; nunca mais terá a mesma eficiência de antes na escuridão. Aí conta para os amigos o que descobriu e convida-os a sair, garantindo conhecer o caminho. Qual a reação deles? - pergunta Platão - e conclui que é criticado porque perdeu visão e habilidades, porque quer acabar com a felicidade que desfrutam e ainda por cima por lhes fazer proposta de passar por sofrimentos. Não demora ser taxado de louco e não custa que o matem para que deixe de importunar.
Esse, em sentido geral, o relato que Platão faz do mito da caverna.
F15Interpretação - nível um
P6 Uma vez entendido o relato básico do Mito da Caverna, passemos a sua interpretação. Como você poderia descrever o significado do primeiro nível do símbolo?
(Excluir F15) R6 Já sabemos que para Platão os homens estão acorrentados na caverna por estarem hipnotizados pelo Mundo Visível e não enxergarem a verdadeira realidade inteligível do mundo. Dado que se trata de uma prisão mental, começa esclarecendo que o conhecimento admite distintos graus de efetividade. Platão identifica cinco níveis diferentes do conhecer, que vão da mais completa ignorância até a plena sabedoria. No nível inferiorF16 situa os homens que não sabem nada, não querem saber e têm raiva de quem sabe. É o plano dos Maria vai com as outras. Não duvidam e nem questionam nada, apenas imitam e repetem o que ouvem. F17 No segundo nível estão as pessoas que sabem um pouquinho, mas pensam que sabem muito. São pessoas que externam opinião sobre tudo. Se alguém está com dor de cabeça, receitam logo um analgésico sem qualquer preocupação com as causas da dor. São viciadas na expressão: eu acho... São capazes de escalar o time melhor do que o técnico. Possuem ideias infalíveis para resolver os problemas econômicos ou para conduzir melhor as relações exteriores do país, sem nunca ter estudado medicina, cursado economia ou estudado relações internacionais. Platão chama esses dois níveis inferiores de plano da opinião e diz que esse plano reúne a maioria da população. Nesse plano não predomina a razão, predomina a opinião!
F18O terceiro nível do conhecimento é ocupado pelos buscadores do conhecimento. Estes, antes de falar sobre alguma coisa, vão buscar e se apropriar do conhecimento da tradição sobre o assunto e, depois de dominar esse conhecimento, passam a tratar das questões, como engenheiros, médicos, biólogos etc.
F19No quarto nível do conhecimento Platão situa aqueles buscadores do saber que, depois de recolher todo o conhecimento da tradição, com auxílio de uma longa prática e aplicação das teorias a casos concretos, adquirem a capacidade de ler diretamente a natureza e começam a ampliar o próprio acervo de conhecimentos da humanidade. Por isso caracteriza esse quarto nível como sendo o nível dos que, sem intermediários, conseguem ler diretamente a natureza. Hoje designaríamos de cientistas, os que operam nesse quarto nível.
P7 E o filósofo?
R7 Em outro momento, Platão ainda fala em um quinto nível superiorF20 de conhecimento, correspondente àqueles que verdadeiramente alcançaram a condição de filósofos. O filósofo para Platão é aquele que aprecia o espetáculo da verdade, é aquele que capta a essência das coisas e por isso conquista um conhecimento verdadeiro. Para tanto, a educação do filósofo deve ser programada e começar na infância, com o trato do corpo e da sensibilidade, com a percepção da beleza e a superação dos instintos, para estabelecer a precedência da razão, do bem e da justiça. Depois, deve estender-se até a maturidade, com o domínio do conhecimento da tradição, das ciências gerais: da Retórica, da Matemática, da Geometria, da Música, das Artes Marciais e da Astronomia. (Excluir F20) Finalmente, para ser um verdadeiro filósofo precisa ainda, tornar-se dialético. Este, um aspecto decisivo na qualificação do filósofo.
P8 Que o filósofo precisa ser dialético é uma tese muito conhecida na obra platônica. Mas você poderia explicar o que é a dialética?
R8 A palavra dialética não possui para Platão o mesmo significado que modernamente lhe damos, de contraposição de tese e antítese sobre a linha do tempo, descortinando o processo histórico. Dialético para Platão é aquele que deixou de ser sectário porque viu a totalidade e percebeu que ela é maior que a soma das partes. O termo sectário, por sua vez, não tem a conotação fundamentalista moderna, mas indica privilégio indevido da parte sobre o todo. Um médico pode ter reunido todo o conhecimento médico da tradição e mesmo assim esse conhecimento é parcial; constitui um recorte bem limitado que não representa o todo universal. Caso esse médico pretenda ler a natureza diretamente, apenas baseado nesse recorte, produzirá um conhecimento distorcido. Nos termos de Platão, sectário. Para ler com competência a natureza precisa estar munido de uma visão totalizante da natureza e do mundo e é essa conquista de uma visão que contemple a totalidade, que Platão designa dialética. O professor Perine (2002) de São Paulo indica a dialética platônica em duas frazesF21 :
1. “Ninguém pode ser chamado de dialético se não consegue captar a essência das coisas.” (Pg. 91)
2. “...quem sabe ver o todo é dialético, quem não sabe, não é.” (Pg. 92)
P9 O dialético seria então aquele capaz de ver e considerar o todo. É neste sentido que Platão afirma que todo rei deveria ser filósofo?
(Excluir F21) R9 Sim, é sectário quem toma a parte como referência nos seus julgamentos e é dialético quem toma o todo como referência. Amparado na tese de que somente a visão do todo possibilita a verdadeira justiça, Platão entende que somente filósofos podem, legitimamente, estar à frente do mais perfeito modelo de governo possível. Modelo que designa de Aristocracia, entendendo com isso, o governo dos mais sábios. Nesse governo a missão essencial do governante é retirar a população de dentro da caverna. Como? Pela educação verdadeira, afirma ele. Pela educação que conduz ao uso consciente, autônomo e metódico da razão.
P10 Mas isso poderia nos colocar em um impasse. O próprio Platão afirma que grande parte das pessoas não se interessa pelo saber e nem querem ser educadas.
R10 Realmente, isso nos coloca diante de um impasse. Antes foi dito que quando o sujeito que conseguiu sair da caverna volta e conta para os amigos o que viu, é desacreditado, chamado de chato, de estraga prazeres e até mesmo de louco. Como educar gente assim? Principalmente porque não se trata de colocar simplesmente conhecimentos dentro da cabeça, não se trata de uma educação distorcida que informa sem educar, mas de fazer o aluno elaborar a sua própria independência intelectual. Algo que só pode ocorrer de dentro para fora e nunca de fora para dentro. A maioria das pessoas de dentro da caverna sequer priorizam o conhecimento. Como fazê-las pensar?
P11 Os governantes não poderiam ajudar e fazer isto acontecer?
R11 Poderiam, mas além do impasse no plano individual, Platão constatou ainda outro impasse, no plano coletivo. Se o governo fosse aristocrata poderia induzir a educação da população, mas o governo de Atenas, na época, era democrático e agia da mesma forma que age o governo da caverna alegórica. Qual é o objetivo desses governantes? Naturalmente serem bem quistos pela população que vota e decide quem deve ocupar o poder. O objetivo principal de tal governante é manter-se no poder. Como consegue isso? - Gerando imagens que agradem a população. Pois quando as imagens os desagradam eles costumam, pelo voto, democraticamente, trocar os governantes.
Naturalmente esses governantes não estão interessados em educar a população e nem mesmo possuem habilidades para tanto. Como a maioria da população não considera o conhecimento importante e, ao contrário, apenas cultiva seus instintos, o que lhes agrada mesmo é o jogo das paixões, as novelas, o futebol, as páginas policiais e por isso tais imagens são geradas em profusão e a situação geral da caverna nunca se altera. Diante desse segundo impasse, o que faz Platão? Monta um exército para tomar o poder? Não! Funda uma escola,F22 cria a Academia Platônica de Atenas.
P12 A Academia Platônica de Atenas é sem dúvida a instituição de conhecimento mais longeva de nossa história, e motivo de estarmos aqui.
Por que você acha que Platão optou por escola se a maioria da população não gosta de estudar?
(Excluir F22) R12 Não sendo possível contar com o governo e nem educar toda a população, restava uma só alternativa: a de retirar alguns que tivessem a alma mais preparada, que fossem mais sensíveis ao bem, ao belo e à justiça e que fossem amantes do conhecimento. Para tanto, a Academia precisou ser projetada e construída sobre dois pilares.F23 Primeiro, era necessário identificar quais alunos possuíam condições de ascender, quais possuíam alma adequada. Em segundo lugar, tratando-se de uma escola dedicada a alunos especiais, era indispensável que Platão oferecesse um método racional que viabilizasse a saída da caverna.
A opção de criar uma escola indica que Platão possuía um método racional que permitia sair da caverna, um método que poderia ser transmitido para alunos qualificados. Sem tal método não se justificava criar escola. Essa percepção, de que Platão possuía tal método, e a consequente necessidade de identificar de que método se tratava, F24revelou, para nós, a passagem para o segundo salão do símbolo, para novo ambiente de análise, distinto do descrito na alegoria. Era necessário examinar agora o contexto da Academia de Atenas e da obra de Platão, âmbitos nos quais o método pode ser encontrado. F25Impunha-se avançar para um segundo nível de análise, para o segundo salão da nossa caverna simbólica.
Interpretação - nível dois
P13 No primeiro nível de leitura, Platão analisa a caverna alegórica e nos fala de cinco níveis de conhecimento. O desafio geral lançado ali é o de pensar o todo e tornar-se dialético. Esse desafio indica, como rumo geral de saída da caverna, o aluno aperfeiçoar sua capacidade de pensar. Nesse sentido, uma escola se justifica.
A questão imediata é identificar o método que permite fazer isso. É em busca desse método que se justifica o segundo nível de leitura do mito?
(Excluir F25) R13 A estratégia usada por Platão para identificar os alunos promissores e dedicar-lhes atenção especial já foi parcialmente revelada no século XX, pelas escolas de Tübingen e de Milão, no movimento conhecido por Doutrinas não escritas de Platão. A Academia funcionava no Jardim de Academus, nos arredores de Atenas. As aulas de Platão eram públicas, abertas a quem quisesse participar.F26 Davam-se no passeio do Jardim, sob as árvores e utilizavam os diálogos de Platão como material de referência. (Excluir F26) Em nosso entender, toda a obra de Platão gravita em torno do seu método racional de saída da caverna, sem declarar isso formalmente, sem explicitá-lo claramente, deixando-o sempre interdito ou pressuposto, de tal sorte que apenas os espíritos mais apurados o percebessem e assim fossem identificados por Platão.F27 A essa lacuna intencional presente na obra, é que a modernidade designou de doutrinas não escritas. Uma vez identificados os alunos promissores, Platão os convidava para preleções privativas na residência que possuía junto ao Jardim. Ali, na casa, em ambiente privativo e plateia seleta, apta e confiável, o método podia ser abordado abertamente, sem restrições e sem registro escrito. Um ambiente, diga-se de passagem, do qual Aristóteles não privava. Não por falta de inteligência e sagacidade, mas por despreparo de alma, segundo se depreende. (Excluir F27)
P14 Mas como se tratava de um conhecimento oral, como podemos ter acesso a ele?
R14 Dada essa estratégia, resulta que em toda a obra de Platão encontram-se indicações, pistas e menções veladas a esse método, que apenas quem privava da intimidade da casa de Platão conseguia entender, embora Aristóteles seguramente intuísse que existia algo mais do que o contido nos diálogos e nas preleções públicas. A sua obra, Metafísica, testemunha isso de forma muito clara.
P15 É possível reconstituir hoje esse modelo mental de Platão?
R15 Nossos estudos mostraram que todas as peças necessárias para montar o modelo mental que viabiliza a saída da caverna, estão disponíveis, dispersas na obraF28 e, tal como um moderno quebra-cabeças, podem ser reunidas por quem conheça a figura de referência. (Excluir F 28)
P16 Muito bem. Com esse clima de segredo, a experiência na Academia de Atenas deve ter sido muito estimulante.
R16 Na Antiguidade, F29prevalecia a crença de que a realidade comportava um mundo imutável dos deuses responsáveis pela criação, e um mundo mutável, no qual viviam os homens. Dado que esses deuses intervinham no destino dos homens, a vida desenrolava-se tendo como pano de fundo, constante interação de homens e deuses. (Excluir F29) Além disso, os gregos clássicos tinham a particularidade de terem espírito matemático, isto é, entendiam que o universo era um cosmos perfeitamente organizado, F30porque o criador teve que obedecer às matemáticas na criação, dado que essa seria a única maneira de tudo na natureza funcionar de forma regular e sintonizada. (Excluir F30) Esse espírito matemático ensejou o esforço clássico de racionalizar o conhecimento mítico da tradição, em boa medida consolidado por Platão e que visava justificar, em termos racionais e matemáticos, tanto a criação como o funcionamento do universo. É assim, e com esse espírito, que surge a Filosofia Ocidental.
P17 Você poderia dar uma ideia geral da filosofia de Platão?
R17 A Concepção filosófica de Platão se assenta em duas teorias complementares: F31a Teoria das Ideias e a Teoria dos Princípios. A Teoria das Ideias focaliza os fenômenos e as coisas que existem no mundo. Tem por objeto tudo o que existe, integra e compõem a diversidade universal. De partículas atômicas ao universo tomado como um todo. A Teoria dos Princípios focaliza o processo de criação da existência e, consequentemente, o processo de criação de tudo o que existe e que, por existir, manifesta presença no mundo. O raciocínio geral é simples: se existem coisas no mundo é preciso explicar como essas coisas vieram a existir. Portanto, a concepção filosófica de Platão objetiva, sobretudo, explicar a existência.
P18 Você poderia explicar um pouco mais a Teoria das Ideias?
R18 A Teoria das IdeiasF32 afirma que tudo o que existe, é moldado por uma forma, sendo essa forma que determina, que o existente seja aquilo que é, e o impede de ser algo distinto do que é. Nós, modernos, já sabemos que tudo o que existe, inclusive a matéria, em última instância, constitui energia organizada de um certo modo. Sabemos, também, que todos os fenômenos existentes são limitados e constituem unidades que se distinguem umas das outras. Sem limites não haveria diversidade. Sabemos, também, que são unidades complexas, feitas de partes, ou seja, são totalidades complexas e unitárias, feitas de partes. Não partes aleatoriamente reunidas, mas partes inteligentemente articuladas entre si, compondo um todo. Em termos modernos, podemos dizer que a Teoria das Ideias de Platão afirma que tudo o que existe no mundo, existe na forma de totalidade unitária, moldada e determinada por uma inteligência organizativa.F33 Uma inteligência feita de nexos lógicos e ontológicos, que reúne, articula e organiza as partes, fechando o conjunto em uma unidade perfeita, tal como uma esfera de superfície lisa. Essa inteligência organizativa não é visível, pertence ao Mundo Inteligível de Platão e constitui aquilo do objeto que pode ser pensado e entendido. (Excluir F33)
P19 A ideia de inteligência organizativa, nesses termos, resulta aplicável a tudo que existe!
R19 Quando construímos uma casa, não fazemos primeiro um projeto? Esse projeto constitui a inteligência organizativa potencial que o pedreiro obedecerá na edificação e que determina como os materiais devem ser posicionados e articulados. No final, a casa construída resultará determinada e moldada segundo a inteligência organizativa estabelecida no projeto. O que a teoria de Platão demonstra é que as paredes e as pedras da casa não podem ser pensadas, o pensável são as ideias, ou como preferimos, a inteligência organizativa, que molda e determina a casa como um todo.
P20 Ou seja, na ótica de Platão, tudo o que existe no mundo pode ser então definido de um mesmo modo: são totalidades moldadas por uma inteligência organizativa.
R20 Exato. Para reforçar a ideia de inteligência organizativa, tomemos como exemplo a tabela periódica de elementos, que define o espaço de possibilidades existenciais da matéria no plano atômico. Todos os átomos são feitos dos mesmos componentes: elétron, próton e nêutron. O que varia são as quantidades e a organização, isto é, as quantidades e a inteligência organizativa. Por que um átomo não se transmuta em outro, se a diferença entre eles, às vezes, é apenas um elétron? Não muda justamente pela força unificante da inteligência organizativa, que se revela poderosa na preservação da organização. A energia liberada em uma explosão nuclear, obtida pela quebra de átomos de hidrogênio, nos dá uma ideia, de que poder estamos falando, ao contemplar a inteligência organizativa que estabiliza os fenômenos na existência, moldando-os na forma de totalidade fechada em unidade. Pode ser útil invocar a imagem de uma esfera de aço para simbolizar essa totalidade.
P21 Qual é a lição principal que podemos extrair desse arrazoado?
R21 Ora, sendo inteligência organizativa, configurada na forma de totalidade, que viabiliza, instala e determina todas as presenças no plano da existência, resulta necessário e inescapável o concurso de um processo natural gerador de totalidades. Resulta necessário o concurso de uma inteligência criativa geradora de inteligência organizativa, configurada na forma de totalidade. Essa inteligência criativa difere e antecede a inteligência organizativa, da mesma forma que, no caso da construção da casa, a inteligência criativa do arquiteto, ou seja, o conhecimento profissional usado pelo arquiteto para fazer o projeto, difere da inteligência organizativa ou do projeto que vai moldar a futura casa. O projeto da casa difere do conhecimento profissional necessário para a elaboração do projeto. Essa inteligência criativa é o objeto da Teoria dos Princípios de Platão. F34Em resumo: a Teoria das Ideias tem por objeto a inteligência organizativa e a Teoria dos Princípios tem por objeto a inteligência criativa.
P22 Ou seja, a Teoria das Ideias tem por objeto a inteligência organizativa e a Teoria dos Princípios tem por objeto a inteligência criativa.
R22 Platão, nos diálogos e nas preleções públicas, fala apenas na Teoria das Ideias, na inteligência organizativa, e, quando lhe pedem para falar sobre os princípios, ele desconversa ou protela para outra ocasião, que nunca chega. Em nosso entendimento, como já dissemos, usou isso para descobrir quem percebia que a inteligência organizativa requer, como antecedente, uma inteligência criativa e assim descobria quais são os alunos promissores. (Excluir F34)
P23 Então, com a Teoria dos Princípios, Platão explica como é constituída a matéria?
R23 Platão não explica como uma matéria particular se forma, mas explica geometricamente as amplitudes que precisam ser desdobradas para comportar as totalidades complexas feitas de partes existentes no mundo e que são determinadas, como vimos, pela inteligência organizativa. Nem os físicos quânticos modernos sabem como a matéria se forma, sabe-se apenas que os átomos são formados dentro das estrelas em condições obsenas de temperatura e pressão. A tabela periódica de elementos sugere porém, que o começo seja algo pequeno, simples e indivisível. Atualmente buscam por um bóson de Higgs, não por acaso, também designado de partícula de Deus. Pitágoras e Platão entendiam que tudo começava em um ilimitado, de amplitude adimensional. Algo tão simples que não tem dimensão e torna-se unidade complexa existente em ato, pela incidência de um poder, ao mesmo tempo, limitante e determinante.
P24 Talvez isso seja meio complicado para os nossos expectadores entenderem!
R24 Embora pareça complicado Platão, no diálogo Timeu, oferece uma explicação geométrica muito simples, pois em geometria o começo é o ponto - até hoje considerado um lugar no espaço desprovido de dimensão -, e o fim é a esfera, considerara, limite superior da forma e que expressa bem a ideia de totalidade unitária feita de partes.F35 Do ponto de vista geométrico a questão da inteligência criativa é simples: como converter um ponto em uma esfera? Minha neta de sete anos respondeu na hora: é preciso fazer o ponto crescer. O processo de complexificação das formas geométricas esclarece isso.
P25 Seria possível você explicar essa evolução das formas geométricas?
F36
R25 Vamos lá. O deslocamento de um ponto em linha reta determina um segmento de reta.F37 Vamos delimitá-lo pelos pontos A e B. Caso se queira complexificar a forma, acrescentando um terceiro ponto C, fora da reta,F38 constatamos que existe um e apenas um ponto perfeitamente simétrico, cuja união com A e B determina o triângulo equilátero que possui três lados e três ângulos iguais, expressando justamente essa simetria. Observe-se que para a construção da reta bastava a amplitude de uma dimensão, mas para a construção do triângulo são exigidas duas dimensões, razão pela qual o triângulo determina um plano. Continuando o processo de complexificação, F39caso queiramos colocar um quarto ponto D, fora do plano e na posição de maior simetria, fica determinada a figura do tetraedro: o primeiro dos poliedros regulares, que possui quatro faces e quatro vértices iguais. Para essa construção são exigidas três dimensões: altura, largura e profundidade. F40O poliedro regular seguinte é o cubo, com seis faces e oito vértices iguais. Para a construção das demais figuras nobres da geometria bastam três dimensões e o processo culmina na esfera, tida como um poliedro regular de infinitas faces.
P26 Ou seja, o processo mostra como um ponto pode se tornar uma esfera.
R26 Essa passagem geométrica, F41do ponto à esfera, confirma a intuição da minha neta e mostra que o crescimento do ponto, implica o sucessivo desdobramento de três dimensões, para abrir a amplitude capaz de comportar a matéria da esfera. Platão sabia que isso não era suficiente e a realidade exigia mais, mas foi Einstein que incorporou na ciência, a percepção de que a realidade exigia, além das três dimensões da matéria, uma quarta dimensão, correspondente ao tempo.F42 Com isso, a inteligência criativa ou o processo criativo de existência, que Platão imaginou, contempla cinco instâncias nas quais a inteligência organizativa se estrutura até adquirir a feição de totalidade e assim molda o ser como ente apto a marcar presença na existência. Tempo e totalidade envolvem a matéria, assim como a atmosfera da Terra envolve o planeta.
P27 Quer dizer, o que Platão propõe é um modelo criativo de cinco etapas, que explica como são geradas todas as coisas que existem?
R27 Lembram? A filosofia de Platão tem por objeto a existência. Ainda que a ciência ainda não tenha desvendado como, na prática, isso se dá, o modelo criativo de Platão configura uma solução conforme com a ciência moderna. O modelo afirma que tudo começa em um adimensional, completamente indeterminado e indivisível. A seguir a construção da existência se faz acumulando, primeiro um modo unidimensional de ser, depois um modo de ser bidimensional, um modo de ser tridimensional, um modo de ser tetradimensional e por fim um modo de ser totalidade. Essa, resumidamente, é a Tese dos Princípios de Platão. (Excluir F42)
P28 Muito bem. Essas duas teorias de Platão falam da natureza e da organização do universo. Como fica a questão da racionalidade?
R28 Além de Sócrates e Pitágoras, Platão tinha outro guru, que se chamava Parmênides, um dos sábios da Antiguidade, de quem Platão incorporou a lição de que ser e pensar são o mesmo,F43 tese que, no mínimo, indica que existe correspondência entre ser e pensar. Assumindo, tal como Platão, que isso seja verdade - a Academia de Brasília já comprovou isso - impõe-se concluir que, na medida em que a existência se edifica acumulando cinco modos de ser, resta conclusivo que à esses cinco modos de ser, correspondem cinco modos de pensar. F44Um modo de pensar o unidimensional, um modo de pensar o bidimensional, um modo de pensar o tridimensional, um modo de pensar o tetradimensional e um modo de pensar a totalidade.
P29 Seriam cinco, então, os distintos modos de pensar facultados ao homem?
R29 Observe que com isso voltamos ao mesmo ponto do primeiro nível de interpretação, onde Platão apresenta os cinco modos de pensar e caracteriza o filósofo como aquele que é dialético e apto a pensar a totalidade. Totalidade essa que situa na quinta posição, de maior sabedoria. Ao percebemos isso compreendemos que ser dialético significava entender e dominar os cinco modos de pensar e saber a qual parte da realidade cada um deles se aplica e compreendemos que o método de saída da caverna estava esclarecido F45e tinha sido expresso textualmente por Platão: o aluno precisa pensar o todo e ser dialético. Precisa afastar-se da animalidade irracional – ignorância - e conquistar plena racionalidade - sabedoria. Conclusão: quem vislumbrar o todo e for dialético, sai da caverna.
P30 Então o mito coloca a cada indivíduo, um grande desafio, pessoal e indelegável!
R30 Nesse sentido, F46a alegoria da caverna não é original. A esfinge de Guizé: cabeça humana, corpo de touro, azas de águia e garras de leão, acompanhada da sentença “decifra-me ou te devoro” comporta a mesma mensagem. Decifrar é função da cabeça humana e o corpo animal indica a base sobre a qual o humano se edifica. Ou o humano se desenvolve e supera a sua animalidade estrutural, ou essa animalidade devora e inviabiliza o humano potencial. (Excluir F46)
P31 E você poderia contar aos nossos expectadores se esse conhecimento está organizado e pode ser transmitido?
R31 A Academia Platônica de Brasília capitalizou trabalho precursor do filósofo brasileiro Luiz Sérgio Coelho de Sampaio, que admitindo lógica como lei do pensamento e, valendo-se também de Geometria, identificou cinco lógicas que normatizam precisamente esses cinco modos de pensar. Com a explicação dos modos de operar dessas lógicas, os cinco padrões de pensamento encontram-se formalmente definidos e podem ser transmitidos.
P32 Na análise do primeiro nível do simbolismo vimos que estamos presos na caverna por enxergarmos apenas o Mundo Visível e que para sair é necessário perceber o Mundo Inteligível.
Na análise do segundo nível, vimos que existe um método racional para sair da caverna que consiste em ver o todo e ser dialético.
Mas como você falou anteriormente, existe ainda um terceiro nível de interpretação, correspondente à visão conquistada por quem tenha saído da caverna. Você falou que chegou no terceiro salão, no centro do símbolo, e não teve coragem d