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O que é filosofia

Rubi Rodrigues - 01/12/2018

O que é Filosofia

A Filosofia foi entendida e conceituada de diversos modos no curso da história. A especulação filosófica nasce, no Ocidente, com o sentido geral de busca dos fundamentos essenciais que suportam o mundo real e tudo o que nele existe, a começar pelo próprio surgimento do universo e de todas as coisas. Esse sentido geral, de busca dos fundamentos constituintes do mundo, prevaleceu tanto entre os pré-socráticos como entre os pensadores gregos clássicos e imprime o significado essencial do termo Metafísica. Platão fala apenas em Filosofia e o termo Metafísica surge bem mais tarde, nos trabalhos de organização da obra de Aristóteles, visando designar os textos que precediam aos seus estudos de Física. Com o tempo, passou a significar a filosofia clássica de orientação essencialista.

Em linhas gerais, essa orientação essencialista prevalece até a Modernidade e o advento do modo científico de pensar. Baseado na lógica clássica de Aristóteles, esse modo de pensar focaliza o mundo objetivo e a materialidade e ao fazê-lo, afasta-se de considerações metafísicas e espiritualistas e conduz a meditação filosófica para searas idealistas, nas quais se prioriza a consciência e questões supostamente mais úteis e imediatas para os homens e para a sociedade. Quando a Filosofia perde o foco essencialista, a sua concepção também se diversifica, em Hermenêutica, Filosofia da Linguagem, Epistemologia, Teoria do Conhecimento, e o temo acaba aplicado a estudos de pressupostos de áreas especializadas do conhecimento, muito longe da pretensão clássica de constituir uma ciência universalista, fundadora de todo o conhecimento.

É preciso entender que o advento do modo científico moderno de pensar, se dá como contraponto à hegemonia do pensamento religioso que dominou toda a Idade Média e combateu, com acusação de bruxaria, a todos que ousavam procurar razões naturais para os fenômenos. Com isso, a limitação da ciência à materialidade e seu descaso para com questões espirituais, também resultou de uma estratégia de conquista de espaço próprio de estudo e de ação, que estivesse livre da tutela da igreja. Em certa medida, essa luta por espaço próprio também explica, em parte, os ataques dirigidos à Metafísica e o seu desprestígio no início do século XX. Essa, vulgarização, do conceito de Filosofia, acabou também contaminando o conceito de Metafísica, que acabou assimilado a estudos epistemológicos, tendo ensejado inclusive a caracterização da filosofia de Platão, como sendo teoria do conhecimento.

Estudos mais detidos dos caminhos e descaminhos que a meditação filosófica experimentou no curso do tempo, fazem parte, normalmente, dos programas de estudos dos cursos regulares de Filosofia. Essa panorâmica, acima traçada, objetiva apenas destacar que existem disputas e opiniões divergentes sobre a demarcação do campo de estudo da Filosofia, de sorte que a diversidade de opinião não deve escandalizar. O que nos interessa em particular destacar aqui, é que, independentemente do curso factual cumprido pela meditação filosófica através dos tempos, a Academia Platônica de Brasília entende que apenas o sentido original que vigorou na Grécia Clássica, reúne condições de potencializar um conhecimento capaz de alicerçar a racionalidade humana e conferir-lhe competência para gerar, de forma metódica, interpretações confiáveis. Com isso, assume-se que Filosofia Primeira é Metafísica, tal como a concebiam os helenos.  

Nesses termos, a Metafísica define-se como ciência do ser, cujo propósito é explicitar como a existência se estabelece em ato, em um universo que teve começo. Trata-se de uma ciência ontológica da existência, que, como tal, procura esclarecer como a existência transita, de potência a ato existencial, amparada e normalizada por um algoritmo da criação[i], que resulta ser a única fórmula capaz de gerar um universo organizado, isto é, um cosmos. Um cosmos que resulta ser, por sua vez, a única forma inteligível de universo, situação na qual se viabilizam consciências, e na qual, questões de leitura e de interpretação do universo, tornam-se pertinentes. Um universo caótico, desprovido de leis universais, não admite interpretação e entendimento.

Tendo por foco a existência e os modos como ela se manifesta em nosso universo, essa Metafísica não visa contemplar a organização particular que conforma qualquer ente ou fenômeno, daqueles que compõem a diversidade fenomênica do mundo. Significa isso que essa Metafísica atribui às ciências particulares, a responsabilidade de auscultar e entender os fenômenos particulares, e restringe o seu labor à contemplação do que é comum a todos os fenômenos presentes na natureza. Naturalmente, nós, enquanto homens e consciências em atividade, também integramos essa natureza e somos determinados por uma organização específica, objeto da ciência, mas também existimos em ato tal como os demais fenômenos e entes que compõem a diversidade, de sorte que tanto podemos nos dedicar à Filosofia como podemos nos dedicar às ciências. Ao nos dedicar à Filosofia optamos por entender ou buscar entendimento das leis universais que regulam tudo e são permanentes e imutáveis. De outro modo, ao nos dedicar às ciências, procuramos entender a organização particular de cada um dos fenômenos, visando desvendar as potencialidades que a natureza disponibiliza em cada solução organizativa e que, eventualmente, podem ser capitalizadas segundo interesses. Dado que toda organização está sujeita à entropia, resulta que os objetos da ciência são transitórios, possuindo começo e fim. Essa condição estabelece a diferença mais notável que se pode usar para distinguir Filosofia e ciência: a primeira dedica-se ao que é permanente e não muda nunca e a segunda ao que é efêmero e muda sempre. Dado que mudança exige um substrato permanente como suporte da própria mudança – toda organização, em plano mais essencial, está sujeita às mesmas leis universais -, compreende-se que esteja presente na natureza, uma hierarquia objetiva entre o que muda e o que permanece constante, implicando hierarquia correspondente no plano subjetivo, entre filosofia e ciência.

Esse critério de distinção pode ser adotado, uma vez que está essencialmente correto, mas não pode ser tomado em termos absolutos porque possui seus senões, os quais apenas poderemos discutir no final dos estudos, quando estivermos munidos de uma concepção de mundo que nos permita destacar as suas condições de validade. Quanto à importância e a escolha entre filosofia e ciência, J, G. Rodrigues propõe uma metáfora de jogo de xadrez que parece esclarecedora. Propõe ele que, quando nascemos, a natureza nos apresenta tabuleiro de xadrez e nos desafia a jogar. A natureza, com as pedras brancas, nos diz: se você conseguir dar um xeque-mate no rei branco, você conquista a eternidade. Se eu der um xeque-mate no rei preto, você morre. As regras do jogo você terá de descobrir durante a partida. Realiza o primeiro movimento, afirmando “estamos em jogo” e depois silencia, não fala mais. Perplexo, você olha para os lados e vê que os demais humanos também estão com tabuleiros à frente, tentando descobrir como é que as peças se movimentam. Os cientistas, práticos, vão tentando e experimentando formas de protelar a perda do rei. Os filósofos meditam: impossível vencer esse jogo sem conhecer as regras e vão dedicar-se a descobrir as regras do jogo. Esse em suma o panorama, e o filósofo, é alguém que não se importa se, ao descobrir as regras, o seu jogo pessoal já esteja perdido. Desde que consiga transmiti-las aos demais, sentir-se-á realizado.

Esse é o espírito do filósofo que buscamos em nossos educandos, e essa é a filosofia que a Academia Platônica de Brasília cultiva, por acreditar que as regras do jogo já se encontram especificadas na matemática de Pitágoras e na Metafísica de Platão, de sorte que nos parece desperdício de tempo, procurá-las em outro canto

 


[i] Algoritmo da criação, constitui designação moderna do Logos de Heráclito e do Verbo que “era no princípio” de João Evangelista, expressões que indicavam o princípio ou palavra divina a partir da qual desdobra-se o universo. A busca por esse Logos estendeu-se, sem sucesso, até a modernidade, e a insistência em sua busca acabou acusada de provocar a estagnação do pensamento filosófico, um dos argumentos utilizados para mudar o foco da Filosofia e abandonar a Metafísica. A Ordem Maçônica, mais persistente, procura, ainda hoje, por uma “palavra perdida” que teria a propriedade de afastar as trevas da ignorância e inaugurar nova era de esplendor para a humanidade. A nós nos parece que essa palavra nunca foi perdida, e se encontra entre os legados da Grécia Clássica que chegaram até nossos dias. O que aconteceu, em nossa opinião, é que os homens perderam a capacidade de lê-la e entendê-la. Uma capacidade que agora se recupera e se procura divulgar com os trabalhos da Academia.

 

Dez/2018

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