Comentários sobre teoria do conhecimento no Timeu
Rubi Rodrigues - 19/04/2021
Comentários sobre teoria do conhecimento no Timeu
Na oitava sessão de leitura do diálogo Timeu, que o grupo de estudos realizou em19/04/2021, descobrimos que Platão esboça, em Tim. 47c, a sua solução a respeito de como se dá a relação sujeito-objeto contemplada pela teoria do conhecimento. Essa descoberta revela-se da maior importância, não só por constituir um registro expresso da “teoria do conhecimento” esposada por Platão, mas também por comprovar que a teoria metafísica do conhecimento, detalhada acima, pode ser interpretada como tese que detalha o mote básico contido naquele esboço, ainda que, curiosamente, tenha sido elaborada antes desta descoberta. No programa de leitura do Timeu, o grupo de estudos tem se valido da versão digital de 2011, do professor Rodolfo Lopes, mas, para melhor evidenciar a descoberta, transcrevemos a seguir, o mesmo trecho, no modo expresso na tradução de Edson Bini de 2010.
A causa e propósito, porém, desse bem supremo, como nos cabe declarar, é a seguinte: que o deus inventou a visão e a nós a conferiu para que pudéssemos observar as revoluções da inteligência no céu e as aplicássemos às revoluções do entendimento que se acha em nosso interior, uma vez que há um parentesco entre elas, ainda que as nossas sejam sujeitas à perturbações e aquelas sejam imperturbáveis; e que via aprendizado e participando dos cálculos naturalmente corretos, por imitação das revoluções absolutamente invariáveis do deus, nos capacitássemos a estabilizar as revoluções variáveis no interior de nós. (Tim 47c)
Timeu é diálogo utilizado por Platão para descrever, em linguagem basicamente matemática e com discurso, tanto quanto possível, semelhante à verdade, a criação do universo e do homem. Nesse processo, o deus criador vale-se de uma mistura de elementos básicos - terra, fogo, ar e água -, coloca ordem nessa mistura, introduzindo uma alma inteligente, caracteriza a existência decorrente como movimento, e distingue, na criação, um âmbito interno ao ser humano – uma mente inteligente propiciada pela alma –, e um âmbito externo, que em linguagem metafórica, associa ao sol e aos planetas cujas órbitas circulam a Terra (modelo geocêntrico). Recorre à figura da esfera para caracterizar a mente e as suas inteligentes revoluções sobre si mesma, e para caracterizar o universo e as revoluções inteligentes dos astros - deuses -, no céu. Tanto o apelo aos quatro elementos, quando o apelo aos astros do céu e à figura de deuses, decorrem de limitações expressivas reiteradamente anotadas por Platão no texto, e indicam elementos meramente inteligíveis, inalcançáveis por linguagem concreta, para os quais não existiam, na época, conceitos apropriados, mas que, em sentido geral, dizem respeito à forças cósmicas que configuram e determinam organização em nosso universo.
Tendo esse panorama como pano de fundo, o trecho em destaque coroa discurso a respeito da dádiva – bem supremo – propiciado aos homens, representada pela visão, que nos conecta ao mundo exterior. Em trecho anterior, Platão havia destacado que o ser humano nasce sem intelecto e sem capacidade de discernimento, os quais deverão ser desenvolvidos durante a vida. Em tais condições, as revoluções iniciais da inteligência, na mente, são instáveis, inseguras e sujeitas a perturbações. Já as revoluções dos astros no céu, são imperturbáveis e constantes, razão pela qual, no texto, Platão valoriza a visão que permite ao homem tomar conhecimento das revoluções imperturbáveis presentes na natureza e assim calibrar de modo adequado, as revoluções da inteligência no seu interior. Como se depreende, a receita geral de Platão para o pensamento é ajustar-se ao desempenho imperturbável da natureza. Observe-se, porém, que Platão, no texto, não focaliza o movimento orbital do astro em si, mas sim a inteligência presente nesse movimento. O que ele foca são as revoluções da inteligência no céu, parentes das revoluções – da inteligência - em nosso entendimento. O elemento comum, obviamente, é inteligência. Inteligência presente no objeto e inteligência presente na consciência. Esse o mote, essa a pedra angular sobre a qual se assenta o que modernamente podemos designar como teoria do conhecimento de Platão. A mesma pedra angular sobre a qual se assenta a Teoria Metafísica do Conhecimento que, neste sítio, se oferece, em versão simplificada, com o título de Teoria do Conhecimento II. Nessa versão, qualifica-se a totalidade do objeto como inteligência organizativa, que o determina como tal – nos moldes da teoria das ideias ou das formas de Platão -, e se qualifica, igualmente, o entendimento, como inteligência interpretativa, que procura evidenciar e catalogar os inteligíveis nexos lógicos e ontológicos determinantes do objeto. Completando o modelo, qualifica-se, na condição de inteligência criativa, o processo universal gerador de organização, que Platão, ao seu modo, utiliza, no Timeu, para explicar o advento do universo e do homem. Naturalmente, na época que o diálogo foi escrito, esses conceitos não estavam disponíveis, mas existe, em Tim. 47e, no encerramento do item, declaração expressa de Platão qualificando o discurso: Em todo esse discurso proferido, exceto por uma pequena parte dele, foi realizada uma exposição do que é produzido pela razão, testemunho claro de que o que estava em pauta eram condições que emolduram o entendimento.
À luz dessa descoberta, permitimo-nos retirar três conclusões:
1º, que a Teoria Metafísica do Conhecimento, que agora se oferece, revela-se compatível com o modo platônico de pensar;
2º, que, acidentalmente ou não, de algum modo e em alguma medida, nos assenhoramos do modo platônico de pensar, possibilitando a especificação dessa teoria antes de conhecermos o registro contido no Timeu;
3º, vemos reforçada ideia, a muito acalentada, de renomear, justificadamente, o nosso grupo de estudos e o site, de Segundas Filosóficas para Academia Platônica de Brasília, com intensão de atrair número maior de pesquisadores, ampliar entendimento da obra de Platão e facultar que mais pessoas sejam beneficiadas com os estudos desenvolvidos.