A ordem
Rubi Rodrigues - 26/02/2019
A ordem
Decifra-me ou te devoro!
A ABERTURA
Passei a vida tentando, sem sucesso, fazer-me entender. Desisti. Rendi-me ao óbvio: entender é problema do leitor. A obrigação do autor é ter o que dizer, restringir-se ao que importa e ser honesto ao escrever, expondo, fielmente, o que pensa. Este trabalho também não obedece aos cânones da Academia. Parece-me que o modelo acadêmico de dissertação foi concebido, visando ao comentário de ideias alheias e, não, ao registro de ideias próprias, que é o caso. Corrobora isso o fato de a avaliação acadêmica de dissertação começar, normalmente, pelas referências bibliográficas. Naturalmente, reconheço a função pedagógica da bibliografia, mas, no presente caso, em que se pretende apresentar certa interpretação da verdade, ou se é feliz em colocar verdade suficiente no texto ou não se vai suprir virtual deficiência, lançando mão de citações. Neste tipo de obra, não cabe recorrer ao argumento de autoridade. De mais a mais, vão estar comigo, de modo confortável, sobretudo, pensadores antigos que não deixaram textos escritos. Exemplarmente, Platão, com as suas doutrinas não escritas; Pitágoras, de quem restam fragmentos atribuídos a Filolau; e Hermes Trismegisto, de cujas estelas apenas tem-se notícias. Por isso, a ausência de bibliografia. Limitar-me-ei a colocar a tese de partida que afirma que o universo possui ordem e tentarei, a partir dela, desdobrar possíveis sentenças derivadas que sejam, lógica, geométrica e matematicamente, sancionadas. Tampouco pretendo esgotar o tema, mas apenas reunir um conjunto de sentenças suficientes para estabelecer os marcos da visão de mundo que conquistamos. No fechamento, tentarei situar a concepção, no âmbito das filosofias pós-kantianas, com a intenção expressa de, liminarmente, evitar que seja rotulada de realista ou idealista. Quanto a expectativas, contentar-me-ei, se, ao final da leitura, o leitor continuar com sede. Quanto ao modo de leitura, embora o texto seja curto, recomendo sentar comodamente, tendo um cálice de bom vinho à mão.
O ENUNCIADO
§ O nosso universo possui ordem.
§ Sem ordem, não existiriam nexos lógicos, e, sem estes, a organização e o entendimento seriam impossíveis; logo, em universo que veio ou venha a existir e a se formar – tal como o nosso –, a ordem é necessária e inescapável.
§ Essa ordem define como a existência pode dar-se no universo, portanto, normatiza a existência, condiciona tudo o que existe, garante a compatibilidade da diversidade manifesta e preserva a integridade, a harmonia e a unidade universal.
§ Essa ordem não apenas determina, mas também caracteriza o universo como organização, de sorte que se pode entender o universo como local de manifestação da organização.
§ Organização não apenas determina, mas também delimita. Com isso, curiosamente, apenas algo que dispense organização desfruta ou comporta liberdade absoluta. Essa condição é privativa de algo adimensional que, por ser desprovido de amplitude, tampouco enfrenta limites de qualquer espécie.
§ Sendo a ordem universal geradora de organização, resulta ser, também, inteligência criativa.
§ Complementarmente, tudo o que existe, ao possuir organização, é determinado por uma inteligência organizativa que lhe confere organização, unidade e compleição determinada.
§ Em síntese, constata-se, em nosso universo, dois tipos de inteligência: uma inteligência criativa, de abrangência cósmica, que regula a existência e uma inteligência organizativa, localizada[1], que determina e molda os fenômenos particulares manifestos no mundo.
§ A inteligência criativa constitui a ordem cósmica geral que, em toda parte, regula a existência e, quando ativa, gera organização, isto é, gera inteligência organizativa.
§ A inteligência organizativa configura os fenômenos particulares que se manifestam em ato existencial objetivo. Estes assumem compleição específica, segundo condições circunstanciais complementares as quais emolduram cada ocorrência.
§ A inteligência organizativa é objeto das ciências, a inteligência criativa é objeto da Filosofia.
§ Existem precedentes: inteligência criativa, década sagrada de Pitágoras: [1 + 2 + 3 + 4 = 10], e inteligência organizativa, forma ou teoria das ideias de Platão (Rodrigues, 2016, p. 54).
§ Inteligência criativa não ativada é, meramente, potencial. Para ser ativada, requer o concurso de energia. A energia que ativa a inteligência criativa chama-se ser; logo, é o ser que ativa e movimenta a inteligência criativa, no ato de criar.
§ Podemos, então, dizer que é o ser que, valendo-se da inteligência criativa, produz tudo o que existe. É o ser que estabelece toda existência relativa, razão pela qual se afirma que tudo o que existe possui um ser.
§ Ser é um conceito metafísico, e a Metafísica dedica-se à questão da existência. Para tanto, organiza o âmbito da existência em dois “territórios”: um absoluto e outro relativo, cada um, naturalmente, possuindo natureza própria: uma absoluta e ilimitada e outra relativa e limitada, respectivamente.
§ Nessa ambientação, o ser é a unidade primordial que, transcendendo do absoluto, emerge no âmbito relativo e vai constituir tudo o que existe – em primeira instância, o próprio universo.
§ Platão indica as objetividades manifestas nesses dois âmbitos por uno e por ser, de sorte que se pode compreender que tudo o que existe em nosso universo é ser. Pitágoras refere-se às duas naturezas, indicando-as por ilimitada e limitante (Rodrigues, 2016, p. 148).
§ Em Metafísica, o absoluto é o potencial ontologicamente necessário. O advento do universo comprova a pré-existência dessa possibilidade.
§ Ao emergir na instância relativa, o ser emerge também na natureza relativa e está sujeito às suas determinações. Essa natureza relativa designamos como inteligência criativa, que tanto impõe limites à atuação do ser quanto lhe disponibiliza potencialidades, como se verá adiante.
§ Em última instância, o universo resume-se a ser-energia e inteligência organizativa, interagindo e desdobrando-se em crescente complexidade, no espaço de possibilidades facultado por natureza constituída de inteligência criativa. Portanto, não existe acaso, e, sim, espaço limitado de possibilidades.
§ Ao que existe em ato, no mundo, e, eventualmente, pode ser percebido como tal designamos ente. Um ente é determinado por uma dada inteligência organizativa; logo, um ente é constituído por um ser, segundo o que determina a inteligência criativa e condições circunstanciais.
§ Sendo o ente que inaugura a existência, podemos entender que a diversidade manifesta no mundo é constituída de entes. Essa diversidade implica que todo ente seja unitário e limitado.
§ Sendo o ente a unidade inaugural da existência e sendo o ser que o constitui obediente a determinações da inteligência criativa, decorre que o movimento de constituição do ente pelo ser e pela inteligência criativa constitui movimento ontológico.
§ Logo, o movimento criativo, deflagrado pelo ser e normatizado pela inteligência criativa, constitui movimento ontológico, isto é, que antecede o advento do ente.
§ Esse movimento criativo inicia-se com a unidade indivisível do ser e culmina na unidade complexa constituída de partes, do ente.
§ Dado que toda unidade complexa, constituída de partes, constitui totalidade, o movimento criativo percorre a distância ontológica que separa a unidade indivisível do ser da totalidade unitária do ente. Ajuda a entender, assimilar o ser ao ponto e o ente à superfície da esfera.
§ O movimento criativo converte potência em ato existencial, ou seja, converte ser em ente.
§ O ser de pura potência, desdobrando amplitude crescente, constitui-se em ente, existente em ato. O ser humano constitui o ente que nos é mais acessível, uma vez que a consciência que permite entender ou interpretar o universo constitui recurso instrumental do ser humano.
§ Em ato introspectivo, o ser humano percebe o seu ser como operador da consciência e gerador de seus pensamentos. Dado que esses pensamentos configuram o seu entendimento pessoal, identifica-se com esse ser operador da consciência, percebendo que, como tal, distingue-se do organismo que complementa a sua condição humana. A partir dessa introspecção, percebe que quando afirma “eu”, de fato, está-se referindo ao ser que o constitui e, não, ao ente aparente que evolui de criança a idoso, mudando constantemente. Por isso, o nome indica o ser invariante e, não, o ente mutante.
§ O ser-energia constituinte é unitário e indivisível. Constitui, aliás, a única unidade indivisível presente na existência relativa.
§ Observamos anteriormente que somente um adimensional comporta ou lhe cabe liberdade absoluta. Na verdade, o adimensional – e apenas ele – comporta atributos absolutos de qualquer espécie. Nessas condições, configura existência absoluta e, como tal, situa-se fora do âmbito da existência relativa que caracteriza o nosso universo. Para ostentar condição absoluta, precisa, necessariamente, ter também absoluta imobilidade, constituindo, portanto, um adimensional estático, absolutamente indeterminado.
§ Quando se afirma que o ser-energia é unitário e indivisível, está-se afirmando, igualmente, que ele é unidimensional, posto ser a unidimensionalidade a única amplitude relativa, justamente capaz de recepcionar uma unidade indivisível. Observe-se que a reta ideal configura âmbito unidimensional e que ela é obtida pelo deslocamento de um ponto, isto é, pelo deslocamento de um adimensional, em certo sentido. Portanto, resulta conclusivo que o ser é unitário e indivisível e que apenas se diferencia do adimensional absoluto, por estar em movimento.
§ Evidentemente, um adimensional em movimento já não é um absoluto indeterminado, pois o movimento lhe confere determinação. É tão determinado que o designamos ser.
§ O caráter geométrico unidimensional do ser indica que o seu advento, no âmbito relativo, dá-se por transcendência, a partir de instância adimensional de compleição absoluta, na qual também cabe potência em grau absoluto. O ser diferencia-se da sua origem transcendental pelo movimento e pela determinação, mas não se diferencia dele pela amplitude constituinte, se é que se pode falar de constituição de um adimensional (a linguagem e a racionalidade humana encontram aqui limitações que o leitor deverá levar em conta, posto não possuir recursos para predicar o absoluto).
§ O advento do ser somente pode dar-se por um movimento transcendental que dispensa ação por parte da origem e se trata do único movimento capaz de produzir uma unidade no final. O movimento transcendental – que se encontra perfeitamente formalizado (Rodrigues, 2016, p. 265) e merece estudo próprio – é o único movimento existencial que é, ao mesmo tempo, lógico e ontológico. É por meio de transcendências sucessivas que se edifica a complexidade universal, estágio por estágio, de partículas quânticas a galáxias.
§ Tendo o ser amplitude unidimensional e demandando o ente amplitude capaz de comportar totalidade composta de partes, resulta necessário que a inteligência criativa contemple a disponibilização de amplitudes crescentes, até restar disponibilizada amplitude suficiente para manifestação do ente.
§ Tendo o ser amplitude unidimensional, resta conclusivo que apenas o critério dimensional da Geometria possibilita a localização precisa do ser no âmbito da inteligência criativa, conferindo-lhe instância própria. Dado, de outro modo, que o critério dimensional faculta amplitudes crescentes pelo reiterado desdobramento dimensional, resulta adequado e imperativo adotar o critério dimensional para descrever a organização da inteligência criativa.
§ Tendo em vista o conhecimento científico hoje disponível, já se sabe que a realidade e os entes demandam amplitude de quatro dimensões para contemplar a sua materialidade e o seu tempo existencial, o que indica que a estrutura dimensional da inteligência criativa precisa, no mínimo, contemplar o desdobramento das quatro primeiras dimensões.
§ Tendo em conta, porém, que a diversidade fenomênica do mundo exige que os entes sejam limitados e fechados em unidades, resta necessário que às quatro dimensões já justificadas seja acrescida uma instância de totalidade que, para além do horizonte dimensional, produza o fechamento necessário do ente.
§ Com esse fechamento totalizante do ente, a inteligência criativa revela possuir estrutura dimensional que parte da unidade do ser e culmina na totalidade unitária do ente. Começa com uma unidade e termina em uma unidade.
§ Dado que apenas a lógica transcendental produz unidades, fica conclusivo que a estrutura da inteligência criativa começa e termina com movimentos transcendentais e, com isso, revela ser a única solução organizativa capaz de justificar que uma mesma estrutura criativa responda pelo desdobramento reiterado de complexidade cumulativa, tal como se verifica em nosso universo: energias quânticas, partículas atômicas, átomos, células, moléculas, organismos, consciência etc.
§ Com isso, resulta que a estrutura geométrica da inteligência criativa contempla cinco instâncias, a saber: primeira, segunda, terceira e quarta dimensões mais a instância de totalidade. Nessas condições, o ser-energia, em seu ímpeto de ser e em seu impulso para a complexidade, desdobra amplitudes crescentes e engendra organizações crescentemente complexas, até que, mediante um salto transcendental, supera o horizonte dimensional e instala um ente estabilizado na existência. Finalmente, Pitágoras faz-se entender ao postular que [1 + 2 + 3 + 4 = 10] (Rodrigues, 2016, p. 54).
§ Observe-se que, sendo o desdobramento dimensional cumulativo, este disponibiliza amplitudes e faculta organizações também cumulativas. Por esse motivo, a inteligência criativa revela ser criativa no modo cumulativo, embora atuando em instância ontológica.
§ Cada uma das instâncias constitutivas da inteligência criativa possui amplitude privativa e, em razão disso, faculta um padrão de movimento típico. Dado que a inteligência criativa estabelece o modo de existir do ente, cada uma das cinco instâncias que lhe são constitutivas define um modo ontológico de existir próprio de cada instância, cujo acumulado define o modo objetivo total de existir do ente.
§ Sendo a inteligência criativa normativa da existência, resulta que os padrões de movimento das suas cinco instâncias constitutivas, constituem movimentos existenciais, isto é, modos de ser e de existir, que se somam e vão integrar o modo total de ser do ente.
§ Nossos estudos revelaram que, no caso humano, esses modos de ser que se somam são, respectivamente, da unidimensionalidade à totalidade: o ser; a inteligência organizativa potencial ou alma; o organismo biológico espaço-funcional; o tempo existencial e a ontogênese que o tempo faculta e a inteligência organizativa efetivamente realizada ou consciência, a qual configura a totalidade do ente humano e se situa para além do espaço e do tempo (Rodrigues, 2017, p. 29).
§ Esses cinco modos de ser configuram, dimensionalmente, a estrutura constitutiva do ente humano.
§ Tendo cada um desses modos de ser origem em uma das cinco instâncias ontológicas da inteligência criativa, resulta cada um configurado pelo padrão de movimento existencial local, típico daquela amplitude. Cada um desses padrões de movimento representa um padrão de interação e, consequentemente, um tipo de nexo lógico ou, o que é o mesmo, um padrão lógico.
§ Com isso, constata-se que a inteligência criativa conjuga estrutura ontológica cumulativa, dimensionalmente organizada em cinco instâncias, cada uma delas regida por padrão de interação ou padrão lógico específico.
§ Um ganho relevante dessa especificação da inteligência criativa é separar o lógico do ontológico de modo não tautológico. Ontológico diz respeito ao processo cumulativo que se estende do ser ao ente, no estabelecimento da existência em ato. Lógico diz respeito ao padrão de movimento existencial manifesto em cada uma das cinco instâncias desse percurso ontológico. Favorece o entendimento considerar o ontológico como sendo o sentido vertical edificador da estrutura e o lógico como sendo o sentido horizontal de cada instância.
§ Dessa especificação restam estabelecidos cinco padrões de interação que são complementares na constituição do ente (cinco formas de ser, cinco formas de energia?).
§ Restam também estabelecidos cinco padrões lógicos que são complementares na constituição da consciência e determinam os padrões de inferência possíveis (cinco modos de pensar).
§ Resta igualmente estabelecida a base para uma teoria do conhecimento (Rodrigues, 2017), na medida em que padrão de interação objetivo corresponde a padrão lógico subjetivo, ou seja, a relação sujeito-objeto fica, liminarmente, harmonizada pela comunhão da mesma base lógica e ontológica que configura a inteligência criativa.
§ Cada padrão lógico vigora e contempla apenas o modo de ser próprio da sua instância, ainda que as instâncias sejam cumulativas e essa acumulação impacte as lógicas. Dado que impacta igualmente os modos de ser, resta garantida a perfeita correspondência entre ser e pensar. Finalmente, Parmênides, também, faz-se entender.
§ Segundo nossos estudos, as lógicas são, respectivamente, do ser ao ente: lógica transcendental ou da identidade, lógica da diferença, lógica clássica aristotélica ou do terceiro excluído, lógica dialética ou da história e lógica holística ou da totalidade. Sendo dimensionais, tanto as lógicas como os modos de pensar, somente o critério dimensional permite identificá-las e distingui-las (Rodrigues, 1999, p. 104).
§ Essencialmente, a inteligência configura-se em nexos lógicos e ontológicos típicos, passíveis de formalização em termos lógicos, geométricos e matemáticos que são constituintes estruturais da própria inteligência criativa. Cada padrão lógico contempla um nexo lógico típico, isto é, um padrão de interação que configura um modo de ser da inteligência.
§ Essa inteligência criativa gera todas as coisas e, dessa forma, gera, também, a consciência humana, na qual se reproduz a si mesma, instrumentalizando a consciência com o próprio poder criativo da inteligência criativa, de sorte que a criação se estenda a um plano subjetivo, superior ao plano da natureza objetiva, e o ser humano consiga operar, conscientemente, a inteligência, atribuindo significado às coisas e, assim, desenvolvendo compreensão da obra inteligente do ser.
§ Nesse sentido, a consciência humana é o local onde a inteligência criativa potencial, despertada pelo ser na criação do universo, realiza-se como inteligência criativa objetiva, privativa de um ser individualizado que, a partir de então, teoricamente e se tiver consciência e domínio da ordem cósmica, encontra-se instrumentalizado para intervir, de forma consciente e com livre arbítrio, no processo de complexificação do universo.
§ Sendo a ordem cósmica estruturada em cinco instâncias cumulativas que viabilizam amplitude crescente, organização crescentemente complexa e lógicas também crescentemente complexas, resta estabelecida senda evolutiva do simples para o complexo a qual impacta todo o universo e lhe define percurso evolutivo de cinco estágios que culmina em totalidade unitária.
§ Dado que a existência, em última instância, conjuga apenas ser e inteligência, parece evidente que a totalidade que completa o ciclo constitua-se em consciência operadora de inteligência, ao influxo de um ser-intelecto. Daí, termos caracterizado a totalidade humana como consciência. Com isso, fica sugerido onde o universo, como um todo, tende a chegar.
§ Sendo o impulso para a complexidade e a ação da inteligência criativa universais, parece lícito entender que, em toda parte, essa inteligência criativa e esse impulso tentarão conjugar as coisas e produzir complexidade, aproveitando, conforme é permitido, as condições circunstanciais locais.
§ Caso estejamos certos com a hipótese de que a meta final seja produzir consciência, parece justo esperar a viabilização de consciências em diferentes coordenadas cósmicas e, virtualmente, até mesmo, em diferentes circunstâncias físicas e com diferentes soluções orgânicas.
§ De qualquer forma, no que diz respeito à espécie humana, que sabidamente atingiu o estágio evolutivo de possuir consciência, a estrutura de lógicas crescentemente complexas presente na inteligência criativa determina senda de evolução mental obrigatória para a humanidade, pautada pela conquista de padrões lógicos crescentemente complexos, facultadores de modos de inferir e de interpretar crescentemente esclarecedores.
§ A humanidade já operou, predominantemente, a lógica transcendental – Período Imperial –, já operou majoritariamente a lógica da diferença – Idade Média –, já operou sob hegemonia da lógica clássica de Aristóteles – modernidade industrial – e, atualmente, opera a lógica dialética, que caracteriza a pós-modernidade. Dessa forma, resta evidente que a presente crise da pós-modernidade prenuncia o advento da lógica holística que habilita a pensar metodicamente a totalidade.
§ Mais dia, menos dia, a lógica da totalidade tornar-se-á hegemônica, e a espécie humana terá, então, cumprido o seu ciclo de conquista da racionalidade.
O FECHAMENTO
Você dirá: parou por quê? Se há tanta coisa mais a dizer. E eu te direi que parei porque, se transformasse esse percurso em uma estrada asfaltada de duas pistas, você passaria por ela sem prestar atenção à paisagem. Por isso, deixo apenas uma picada no meio da floresta, para que você tenha que se desvencilhar sozinho do cipoal e, quando chegar no final, desfrute da serenidade própria de quem sabe onde está pisando. Piguara, o Senhor do Caminho: aquele que faz o caminho, ao pôr-se a caminhar (o guia, irmão de Iracema, no romance de José de Alencar).
Kant conseguiu convencer a todos que as concepções filosóficas poderiam ser classificadas em dois tipos: realistas e idealistas. Hegel, sucessor de Kant, andou em busca do ser, mas encontrou um vazio. Hegel e Fichte embarcaram na onda, consolidaram a precedência da consciência, e as ontologias acabaram inibidas ao serem rotuladas dogmáticas. A modernidade seguiu por esse caminho e desaguou em pós-modernidade que, esquecida das lições da renascença, cultua rocha bruta como obra de arte e, para resumir, confunde liberdade e libertinagem em evidente esquecimento do ser. O nosso conceito de ser ampara-se em operação de autoconsciência que revela um operador necessário o qual, supomos, não deve ter passado despercebido por Hegel. Imagino que ele tenha encontrado dificuldade de preenchê-lo com objetividades e não tenha encontrado nada; daí, o vazio. Nesse sentido, quando qualificamos o ser como adimensional, em movimento existencial, encontramos a mesma dificuldade: o que cabe em âmbito de amplitude adimensional? Também não sabemos e nem sequer sabemos se essa pergunta resulta pertinente. O que sabemos é que esse ser não pode ser um nada, na medida em que cria o universo e preside a nossa consciência. O fato de não entendermos bem o que seja o ser não autoriza desconsiderá-lo, afinal, tampouco conhecemos a consciência e, apesar disso, ninguém ousa descartá-la.
A nossa concepção de ser antecede essa divisão da realidade em objetiva e subjetiva, de vez que o nosso ser se apresenta como energia deflagradora de toda organização. Trata-se do ser de Parmênides, concepção na qual ser e pensar são o mesmo, conferindo ao ser posição ontológica necessariamente anterior a essa divisão. Com isso, a nossa concepção não pode ser rotulada nem de realista nem de idealista. Preferimos considerá-la metafísica desinibida ou sem vergonha que, expressamente, assume o Uno como princípio necessário, tal como o ser, dado que, assim procedendo, pode-se entender racionalmente a construção universal desde o começo e, ainda, conferir à espécie humana honrosa e desafiante posição na natureza. Ora, tratando-se todo conhecimento, segundo alguns, de mera interpretação, por que preferir interpretação que reduz a humanidade a vermes bípedes devorando um planeta, em lugar de considerá-la uma das alternativas do ser para conduzir, conscientemente, a evolução universal?
O assunto não se reduz, porém, a uma questão de gosto ou preferência, mas trata-se de uma questão de maior proximidade com a verdade, uma vez que a eficiência do homem na condução da vida depende, criticamente, de avaliação correta do mundo e das circunstâncias. Com interpretação equivocada, não se chega ao outro lado da rua.
A perspectiva metafísica dos antigos foi abandonada porque o homem não logrou desvendar o logos, aquele que era no princípio, segundo registro do Evangelista. Não se tratou, porém, de superação, mas de desistência. Em todas as latitudes, vamos encontrar sempre quem lamentava e procurava, insistentemente, por uma palavra perdida que, supostamente, eliminaria as trevas. O que se perdera, porém, fora a interpretação e, não, a palavra. Esta sempre esteve aí, magistralmente, registrada por Pitágoras: [1 + 2 + 3 + 4 = 10]. Essa expressão matemática, agora o sabemos, indica o algoritmo da criação que, no enunciado, designamos inteligência criativa.
Esse algoritmo da criação não se ajusta bem à concepção einsteiniana de ciência, que limita o mundo a espaço-tempo [3 + 4]. Exige matemática de múltiplos graus de infinidade, requer geometria dimensional e, ainda, aparato lógico expandido para cinco padrões lógicos, situado muito além da concepção monológica clássica. Tais exigências desafiam a ciência a avançar para além do espaço visível e prenunciam um bom trabalho à frente. Fazer o quê?
Referências
PLATÃO. Diálogos IV – Filebo. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2009. 304 p.
RODRIGUES, R. G. A razão holística. Brasília: Thesaurus, 1999. 271 p.
RODRIGUES, R. G. A Teoria dos Princípios... de Platão. Brasília: Thesaurus, 2016. 319 p.
RODRIGUES, R. G. Teoria Metafísica do Conhecimento. Brasília, 2017. Disponível em: . Acesso