Pacto federativo – um novo rumo para o Brasil
Rubi Rodrigues - 15/06/2020
Pacto federativo
Conceito promissor ultimamente
resgatado é o de pacto federativo. A ideia foi veiculada, em 2019, em face de propostas
de flexibilização do orçamento, de reforma tributária e de redução do número de
municípios, mas não tem recebido a devida atenção por parte da imprensa e da
intelectualidade política e acadêmica brasileira. Pacto federativo, além de
acordo tributário, invoca destinação racional de recursos, entre a União, os estados e os municípios, tendo
em conta a distribuição de responsabilidade pela prestação dos serviços públicos.
Ao contemplar a organização geral do Estado, pacto federativo potencializa não
apenas a alocação adequada de recursos, mas também a promoção da eficiência
governamental, sendo, sobretudo, nesse sentido de eficiência e de funcionalidade
do Estado que essa ideia merece meditação mais detida.
Da oportunidade de repensar o Estado
A desordem institucional e a
precariedade funcional do Estado brasileiro são evidentes. A eleição não
termina nunca. Os vencidos não reconhecem o resultado das urnas: dedicam-se a
inviabilizar o governo, porque seu sucesso dificultaria retomar o poder nas
eleições seguintes – uma insanidade completa. No parlamento, a legislação
produzida resulta, em boa medida, não de conveniências e de interesses da população,
mas da acomodação dos interesses pessoais das excelências que parlamentam. O
direito de o legislador obstruir o processo legislativo está garantido no
regimento interno das duas casas, oficialmente, para aperfeiçoar o processo, no
entanto, também serve para inviabilizá-lo ou para oportunizar barganhas. Nas
sessões, o tratamento é de excelência, mas os impropérios e as acusações são impublicáveis
e definem o clima no qual o processo legislativo ocorre. A instância superior
da Justiça – guardiã da Constituição – mete-se, acintosamente, a legislar até mesmo
sobre família, como se delegação para tal tivesse. Juiz de comarca susta
processo federal. O governo federal distribui cestas básicas em município. Por
vezes, fomenta polarização ideológica, fragmenta a sociedade e cultiva
discórdia até dentro das famílias. Imagine-se, então, ao que o parlamentar não se
deve submeter para, em processos conduzidos entre quatro paredes, levar
recursos para a sua base eleitoral. Enfim, em termos de eficiência, o nosso
ordenamento político não poderia ser mais desastrado. O resultado configura-se inescapável:
brutal ineficiência governamental geral, desperdício astronômico de recursos e
um Custo Brasil proibitivo, inibindo investimentos produtivos que não
sobrevivem sem estabilidade e eficiência. Para quem entende um pouco de
planejamento e de organização, esse arranjo institucional está condenando o País
à mediocridade e à periferia do mundo civilizado, justamente na contramão da
generosidade da natureza no território.
Por justiça e respeito à verdade, deve-se
ter em conta que ineficiência do estado não constitui privilégio brasileiro, uma
vez que se encontra presente em todos os estados modernos que enfrentam
dificuldades crescentes para cumprirem o seu papel. Análise mais profunda
revela que os estados modernos enfrentam grave problema estrutural de concepção,
ao ser-lhes exigido operar democracia: não foram concebidos para tanto. Os
estados modernos resultam de adaptações feitas em monarquias absolutistas,
visando a atender demandas sociais que emergiram no Iluminismo. Tais adaptações
envolveram, basicamente, a eleição de um parlamento e a divisão de poderes
proposta por Montesquieu. Essa solução atendeu a anseios emergentes e
incipientes de liberdade da época, mas, absolutamente, não atende às aspirações
maduras de democracia, generalizadas no século XX. Os estados modernos não
foram projetados para operar democracia, e o caso brasileiro é a prova irrefutável
disso. As recorrentes ingerências e as disputas que presenciamos entre os
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e o Ministério Público atestam a
insuficiência da solução iluminista e justificam reclamações sobre dificuldades
de governar. Sejamos francos, tais ingerências não refletem democracia, elas
indicam, nitidamente, desordem institucional.
Para superar esse estado de coisas,
resulta inútil remendar a Constituição, tentando ajustar uma peça ou outra.
Estamos em época de velocidades supersônicas, veículos elétricos e computadores
sobre rodas, e o estado brasileiro parece uma carroça medieval. O que uns tentam
fazer, outros tantos empenham-se em desfazer, e, apenas acidentalmente, as
forças somam-se na construção de algo útil para todos. A maioria dos esforços
são desperdiçados em disputas inúteis de pavões ciosos de suas plumas, e, com
isso, as riquezas e as potencialidades brasileiras permanecem intocadas,
despertando cobiça internacional. No fundo, estamos assistindo ao fim do prazo
de validade da solução organizativa que gerou os estados modernos, porque a
população já compreendeu ser uma elite política que, desde sempre e com
exclusividade, escolhe, intra corporis, quais serão candidatos, restando à população apenas o papel de
sancionar as escolhas feitas, em simulacros eleitorais.
No declínio das monarquias
absolutistas, a nobreza que mandava teve de assimilar, na corte, novos ricos
gerados pelo comércio bem como dividir com eles o poder de explorar a
população. Com o advento dos estados modernos, concedeu-se à população o
direito de eleger parlamento, com a ressalva de os candidatos serem escolhidos
dentro da corte, isto é, dentro do grupo de nobres e ricos que a constituíam, atualmente
identificada por “elite política”; naturalmente, sem reparo ao espírito monárquico
medieval segundo o qual a população constitui rebanho a ser explorado. O arranjo
recebeu retoques finais com a divisão e a suposta independência de três poderes
proposta por Montesquieu. Com isso, o que se está presenciando hoje é a
caducidade de um modelo simulador que perdeu sua capacidade ilusionista. Depois
de duzentos anos justificando ser a democracia o “menos ruim” dos modelos, o arranjo
perdeu funcionalidade, e a população, doutrinada para a democracia, agora a
exige de fato e de verdade. Em contexto de evolução perceptiva, precariedade
institucional e polarização ideológica é que pacto federativo se oferece como ferramenta
capaz de gerar evolução. Pensando e repensando a organização do Estado,
virtualmente, seja possível resgatar a sensatez e a funcionalidade, recompor a
unidade nacional e viabilizar estado adequado para operar democracia.
O que vem a ser verdadeiramente democracia?
Para entender o que, realisticamente, possa
ser democracia, impõe-se inverter o raciocínio histórico – de que se trata de abertura
ou de concessão do espírito monárquico – e pensar que, ao contrário, trata-se de
a nação, consciente de si e do seu poder, organizar-se e regulamentar o
convívio social em seu território, segundo a sua índole e as suas conveniências,
criando, para tanto, um estado sob medida, destinado a gerir interesses
coletivos. Não se trata de governo do povo – impossibilidade lógica e prática –,
mas de governo exercido em defesa dos interesses e das conveniências da nação. Naturalmente,
em razão do tamanho do Brasil, o modelo político representativo torna-se
inescapável, todavia, levando-se em conta que o ser humano está sujeito à
corrupção, resulta fundamental que a população, além do poder de eleger, detenha
também o poder de cassar mandato agilmente, quando desvios injustificáveis ocorrerem
– interesses coletivos forem preteridos ou interesses privados forem
privilegiados. Essa inversão de raciocínio, com o estado sendo fruto dos
interesses e das conveniências da nação, constitui o mote básico necessário e suficiente
para ensejar pacto federativo ou pacto social capaz de colocar estado, governo
e população do mesmo lado, somando esforços na conquista de crescente bem-estar
para todos.
O Estado como criação deliberada da Nação – implicações
Considerando ser o Estado uma criação
da Nação, destinada a organizar e a gerir o convívio social e a preservar a
unidade, a integridade e a independência do País, resulta evidente que o Estado
seja configurado segundo as necessidades, os interesses e as conveniências da população.
Para que Estado projetado em tais condições preserve coerência interna,
funcionalidade e harmônico relacionamento para com a população, impõe-se que o
seu projeto contemple um leque de condições capazes de garantir tal resultado.
Sem pretender esgotar a questão, é possível relacionar os seguintes aspectos:
1.
abrangência do pacto – o pacto
federativo não pode ficar restrito ao âmbito do Estado, isto é, à União, aos
estados e aos municípios, mas precisa abranger, também, as famílias e os
indivíduos que completam a estrutura vertical que viabiliza e sustenta a
organização social. Sem a inclusão das famílias e dos indivíduos, qualquer
pacto resultaria mero acordo interno da elite política, propenso a manter tudo
como dantes, tal como todos os outros pactos que se seguiram à Proclamação da
República. Com a inclusão das famílias e dos indivíduos e a conveniente distribuição
do poder, das responsabilidades e das obrigações, nas cinco instâncias da
estrutura social vertical – União, estados, municípios, famílias e indivíduos –,
é que, efetivamente, podem ser garantidos o caráter democrático e a
funcionalidade da organização;
2.
concordância da Nação – para
conquistar a adesão da atual população e fazê-la acreditar nos políticos e no
governo, é preciso conferir-lhe, de fato, o poder democrático que, em tese, a
Constituição já lhe confere, ao afirmar que a população é a fonte originária de
todo poder político. Para tanto, a população precisa ver-se munida de
ferramentas que tornem esse poder efetivo e eficaz. A solução conhecida é o
voto distrital simples, vinculando o eleito com a população que o elegeu, acompanhado
do poder de destituir, a qualquer tempo, não só o circunstancial eleito, mas
todo agente público cujo índice de rejeição indique que ele perdeu a confiança
da população. Se o governo existe para atender a interesses e a conveniências
da Nação, nada mais adequado que seja competência da Nação avaliar se esses
interesses estão ou não sendo atendidos. Com esse empoderamento da população, garantir-se-ia
que as funções públicas e governamentais não seriam desvirtuadas como também restaria
garantida a adesão da população aos projetos de governo;
3.
dimensão do Estado – como regra ideal
básica de dimensionamento do Estado, resulta consequente que somente cabem Estado
e governo em presença de necessidade universal da população que convenha ser
atendida coletivamente, com a população beneficiada tendo condições econômicas de
arcar com os custos de investimento e de manutenção correspondentes;
4.
estrutura básica do Estado – é igualmente
necessário estruturar a sociedade, combinando, de modo racional, organização
vertical e organização horizontal, para configurar organização social e
política adequada à realidade brasileira, que resulte em estado democrático, ao
mesmo tempo dotado de elevada aceitação e de acentuada funcionalidade – o eixo
vertical, contemplando os indivíduos, a família, os municípios, os estados e a União,
e o eixo horizontal, contemplando os poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário e o Ministério Público. A alocação do poder e das responsabilidades pelas
diferentes instâncias deve atender a princípios de complementaridade, de
eficiência e de precaução, a fim de evitar interferências verticais ou
horizontais prejudiciais ao bom funcionamento do todo;
5.
organização política da sociedade – dividindo-se
o território em municípios, estes devem ser definidos pela combinação de
critérios geográficos e econômicos, tendo em vista que somente se justifica
governo, caso a população possua poder econômico para sustentá-lo. Dado o
modelo eleitoral distrital, estes devem ser definidos pela combinação de
critérios geográficos e ecumênicos, tendo em vista a distribuição geográfica
dos eleitores. Consequentemente, o critério geográfico emerge como critério
natural de organização política da sociedade tanto para acompanhar o desempenho
dos seus representantes políticos como para inteirar-se das potencialidades e das
necessidades regionais configuradoras de oportunidades para seus
empreendimentos particulares e familiares. No limite, essa organização política
regional, em cujo foro as sociedades locais discutam e solucionem os seus
problemas, pode representar a dispensa e a superação dos partidos ideológicos e
das ideologias que atormentaram a humanidade nos últimos dois séculos;
6.
poder democrático real – a natureza
humana diversificada implica que certo percentual das pessoas não se interesse
por política. O potencial humano, para além da racionalidade comum, compreende
a mais ampla diversidade de modos de ser, de pensar e de agir, pautados em individualidade,
em propensões pessoais e em desejo de liberdade. Uma das consequências lógicas dessa
diversidade é que o voto não deveria ser obrigatório. Outra, de caráter estrutural,
é que sempre haverá determinada elite política governando, ainda que modernos
recursos de informática possibilitem crescente participação direta da população
no processo governamental. Sendo esse um dado inafastável do problema, resulta
inteligente entender que apenas a elite política do país pode fornecer os potenciais
governantes adequados a cada momento histórico. Com isso, torna-se
democraticamente mais efetivo para a população o poder de cassar a delegação ou
o exercício de um agente público nocivo, do que o poder de o eleger ou o
designar. Apesar disso, torna-se indispensável que eleições parlamentares sejam
diretas, por meio de distritos eleitorais, de sorte a possibilitar a ascensão
de novos postulantes à elite política bem como a sua saudável renovação;
7.
justificação do estado e dos impostos
– tendo em vista que: a) a presença de governo nos níveis municipal, estadual e
federal decorre de conveniências de escala e de divisão de trabalho; b) a
amplitude do governo em qualquer das três instâncias decorre das funções e das
tarefas que lhes forem atribuídas; c) o governo decorre da presença de
necessidades universais da população que convenham ser atendidas coletivamente;
e d) à população cabe arcar com os custos de investimento e de operação dos
serviços públicos, resta justificada a cobrança de impostos e, simultaneamente,
justificada a presença dos três níveis de governo. Na contrapartida, são incabíveis
o superdimensionamento das instituições e as mordomias e os privilégios
autoconcedidos que, atualmente, tanto agridem a consciência nacional;
7.1
complementaridade dos três níveis de
governo – em complemento ao item anterior, a divisão do governo em três níveis
resulta do fato de existirem problemas correspondentes a esses níveis ou que possam
ser enfrentados e resolvidos de modo eficiente e vantajoso em cada um deles. Ao
se observar essa correspondência, ficam facultados três níveis governamentais complementares
que serão eficientes ao atuarem cada um em seu espaço de ação. Esse arranjo
enseja que as instituições e os agentes públicos que operem em cada nível
tenham foco e sejam responsabilizados pelo desempenho e pelo sucesso do governo
como um todo, no respectivo nível, apesar da especialização de funções dos
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e do Ministério Público. Em
consequência, tais funções devem, idealmente, limitar-se a tratar de questões
relativas ao seu nível governamental, mantendo, entre si, complementaridade e
cooperação, dado que são todos responsáveis pelo desempenho do governo na
instância específica. Isso significa, por exemplo, que, no âmbito federal, os
três poderes e o Ministério Público devem ser corresponsáveis pela eficiência
governamental, no cumprimento das obrigações atribuídas à União, e dimensionados
de acordo com elas;
8.
sistema integrado de planejamento –
parece indispensável recuperar um processo de planejamento nacional amparado
por base de dados que contemple todo o território e permita a priorização
estratégica de investimentos e a distribuição racional dos recursos, de modo
correspondente à distribuição das responsabilidades e aos propósitos
estratégicos estabelecidos. Essa base de dados deve ser concebida e organizada
com o objetivo de orientar tanto investimentos públicos como investimentos privados,
destacando potencialidades, carências e oportunidades detalhadas em nível
municipal, admitidas agregações diversas para determinação de escalas. À União
caberia gerir e disponibilizar essa base de dados, e a estados e a municípios caberia
povoar e atualizar os dados. Com isso, os processos orçamentários dos três
níveis de governo seriam precedidos de processos de planejamento
identificadores de prioridades, e cada instância ver-se-ia obrigada a conhecer
a realidade que lhe compete gerir e desenvolver – em torno desse processo permanente
de planejamento e de escolha de prioridades bem como da correspondente
repartição dos recursos é que se daria o grande debate nacional; com isso, os
parlamentares passariam a ser escolhidos em razão da sua capacidade de
contribuir para o sucesso da esfera governamental pretendida e deixariam de ter
que “vender a alma” em troca de
recursos; com isso, cresceria de importância a ideia de modelo tributário de
fiscalização simples e de arrecadação transparente; e, finalmente, com isso, o
uso de recursos seria amparado em justificativas, comparações de desempenho
entre estados e entre municípios seriam viabilizadas, e a diminuição de
diferenças regionais seria conduzida em bases técnicas;
8.1
nesses termos, o poder Executivo
federal estaria centrado na governança das carências e das oportunidades
presentes no território, visando à maior eficiência geral do País, na produção
de bem-estar econômico e social da Nação, na elevação cultural dos indivíduos,
na redução das diferenças regionais e na gestão estratégica de recursos e de vantagens
comparativas brasileiras, sempre tendo em vista a saúde e a estabilidade do
todo. Com o mesmo espírito, cuidaria das relações exteriores do País e
controlaria os processos migratórios, tendo o cuidado de não desestabilizar e de
não se imiscuir, indevidamente, em estados e em municípios. Nesses termos, o poder
Legislativo federal teria foco nos fundamentos legais da governança nacional,
no aperfeiçoamento do modelo democrático e na legislação comum a todos os
brasileiros, tendo o cuidado de não interferir, desnecessariamente, nos âmbitos
estadual e municipal e, menos ainda, na vida das pessoas e das famílias. O poder
Judiciário federal, por sua vez, teria foco limitado ao que fosse relativo à
governança federal, contribuindo para o seu sucesso. O Ministério Público federal
teria como papel fundamental promover a unidade do governo federal e, em nome
da população, controlar e avaliar o desempenho das instituições governamentais
federais, na busca de maior eficiência e produtividade. O mesmo raciocínio aplicar-se-ia
às instâncias estaduais e municipais de governo;
9.
prioridade e autonomia dos municípios
– o regime presidencialista levou o governo brasileiro à concentração de poder
e de atribuições na esfera federal. Historicamente, isso ocorreu como reação ao
desperdício, à ineficiência e à desordem que grassavam no plano municipal, sob a
justificativa da necessidade de concentrar recursos para grandes obras e o
argumento de que, antes de distribuir, era preciso fazer o bolo crescer. Hoje,
essas posições não se sustentam mais. Informações estão disponíveis na rede que
possui abrangência nacional, e há exemplos de gestões municipais primorosas e
exemplares, de sorte que cabe responsabilizar as populações municipais pelo
próprio destino e pela recusa de dirigentes incompetentes ou patrimonialistas.
A consequência mais nefasta dessa concentração foi a conversão dos
parlamentares em despachantes federais, a fim de buscar recursos financeiros
para seus redutos eleitorais – processo ineficiente e degradante que um sistema
nacional de planejamento permite eliminar. A distribuição de tarefas e de responsabilidades
entre as três instâncias de governo deve obedecer ao caráter municipal,
estadual ou federal das questões, mas a tendência deve ser a de reforço e de autonomia
dos municípios, onde a vida, de fato, acontece e onde os problemas devem ser resolvidos,
segundo conveniências e preferências locais, de modo que os moradores possam
escolher estilo próprio de vida. Nesse sentido, as interferências
governamentais superiores devem limitar-se ao indispensável à preservação da
unidade e da identidade nacional bem como àquelas questões estratégicas para a
harmonia do país e para o melhor aproveitamento das potencialidades do
território, tendo em vista que apenas a harmonia do todo garante a estabilidade
geral. Mais uma razão para ser perseguida a redução de interferências ou de invasões
verticais entre as instâncias, da mesma forma que a divisão horizontal deve ser
projetada, visando a evitar que um poder interfira ou invada as competências de
outro;
10.
dinâmica da política municipal – o
governo municipal, por dever de ofício e em razão do sistema de planejamento
nacional, precisa ter pleno conhecimento e domínio da realidade municipal, em
seus diferentes aspectos, de forma que também a população do município tenha
ciência das oportunidades e das carências presentes no território e possam
participar, ativamente, na busca de
soluções para os problemas e na identificação das alternativas convenientes.
Sendo territorial e econômico o critério delimitador do município e sendo
territorial e ecumênico o critério de delimitação dos distritos eleitorais,
resta configurada a necessidade de organização política das comunidades,
segundo o critério territorial, tanto para a escolha e a monitoração dos
parlamentares eleitos como para que cada família e cada cidadão conheçam as
oportunidades que se oferecem para os seus empreendimentos particulares. Sendo
territorial o critério de organização política, o esforço pode concentrar-se na
busca de autonomia econômica regional e de realização social e cultural das
comunidades, com aproveitamento otimizado das potencialidades disponíveis e com
superação racional dos entraves existentes. O conhecimento sistematizado das
potencialidades e das limitações municipais pode ensejar soluções regionais
mais amplas – por exemplo, água potável, energia, educação superior – e,
eventualmente, soluções estaduais ou federais, quando as potencialidades e as
questões de escala assim o recomendarem. Em sentido geral, cabe ao governo
municipal desempenhar as funções que lhes forem atribuídas pelos respectivos
munícipes e aquelas que decorrerem de seus compromissos para com as esferas
superiores do Estado. Em tais condições, os municípios podem buscar autonomia e
autodeterminação, em todos os aspectos sociais não comprometidos no pacto
federativo;
10.1
de todas as formas, a organização
política regional tende a ampliar a participação política da população bem como
a concentrar a ação política e governamental na produção de bens e de serviços
geradores de bem-estar e de desenvolvimento econômico e social. O critério
eleitoral distrital consolida o compromisso do eleito com seus eleitores, e o
poder de cassar mandatos, a qualquer tempo, garante que o agente público não se
desvie dos seus compromissos. Todo agente público deve estar sob avaliação da
população tributária e deve ser substituído sempre que a sua desaprovação
atingir certo percentual;
11.
propósito deste trabalho e distinção
do púbico e do privado – o que se almeja esboçar é um modelo brasileiro de
organização política e social que normatize as relações sociais da população em
todo o território nacional e crie ambiente favorável à plena realização humana
dos cidadãos e ao crescente aperfeiçoamento civilizatório da Nação. Esse modelo
destina-se a ser traduzido em Constituição para que, na condição de lei magna
da sociedade, oriente as relações sociais. Os principais operadores dessas
relações sociais são as pessoas – os cidadãos, suas famílias e as instituições
sociais por eles criadas. Essas instituições são de dois tipos: instituições de
participação obrigatória para todo cidadão e instituições de adesão facultativa
e de livre escolha pelas pessoas. Entre as primeiras, inscrevem-se a família e
os três níveis do Estado, às quais o indivíduo, compulsoriamente, liga-se e com
as quais se vê comprometido. Entre as segundas, inscrevem-se os clubes, as escolas,
as associações, as empresas, os órgãos de classe e assemelhados, às quais o
indivíduo se liga por livre e espontânea vontade. Essas últimas não devem intervir
no governo nem se impor aos cidadãos;
12.
papel das famílias e dos indivíduos –
na mesma medida da responsabilização dos agentes públicos, também as famílias e
as pessoas precisam compreender que lhes cabe dar conta da vida e da sua
realização pessoal, sem transferir essa responsabilidade para terceiros. Todos
os nascidos no território têm direito à vida, à cidadania e ao amparo da
Constituição, mas apenas cada um pode responder pela própria sobrevivência e
pelos resultados de seus atos. Às pessoas bem como aos municípios deve ser
preservada a máxima liberdade de autodeterminação, respeitados os compromissos
assumidos no pacto social. Às famílias cabe o papel fundamental de formação
ética e moral das crianças e dos jovens, tendo em vista que não existe vida
descomprometida da sociedade e que sociedade constitui ato cooperativo.
Palavras conclusivas
O Brasil e a nação brasileira
caracterizam-se por um modo próprio de ser e de viver, razão pela qual o
restante da humanidade lhes atribui identidade própria. Nosso advento tardio no
cenário planetário imprimiu-nos características coloniais, e a diversidade
humana que, aqui, aportou, foi assimilada e moldou o modo brasileiro de ser
também imprime-nos características universalistas situadas além de todo
sectarismo. Somos uma nação jovem que desperta para a sua identidade e se
propõe conduzir a própria vida, tal como cabe a todo ser humano adulto. Nossa íntima
relação com a natureza e a multiplicidade de nossos olhares produziram
espiritualidade profunda, situada além dos adereços que tipificam as religiões
e das ideologias que colorem as disputas de poder. O brasileiro quer viver a
seu modo, em paz, e quer que os demais povos da terra também tenham a
oportunidade de viver em paz e ao modo deles. O que o brasileiro almeja é
apenas um ambiente favorável à realização das potencialidades humanas
superiores com as quais a natureza privilegia a espécie.
Para tanto, impõe-se considerar a nação
brasileira e o Brasil como totalidades. Toda totalidade é unitária e resulta
ser a única forma na qual as partes integrantes superam os seus conflitos e as
suas diferenças e atingem estado de repouso que, em razão da harmonia de suas
partes, propicia bem-estar. Obviamente, não se desconhece que a vida se
desenrola em tempos e contratempos, mas se compreende que, apesar dos
constantes desafios, paz de espírito e qualidade de vida requerem permanente
esforço de restabelecimento da unidade tanto pessoal como da família, da Nação
e do País e, por que não, também de toda a humanidade. No âmbito do Estado
brasileiro, pensamos ser a Constituição o fator que pode preservar a unidade da
Nação e, para isso, precisa limitar-se a definir a identidade e o espírito
brasileiro, sem entrar em modos de fazer, uma vez que estes mudam
constantemente. A Constituição deve ser obedecida e não mudada. Em regimes
monárquicos, o rei seria auxiliar nesse papel. A unidade do governo e a sua
sintonia com as aspirações da Nação devem produzir grau de eficiência governamental
sem precedentes na história humana.
A ideia de pacto federativo desponta
como oportunidade de superação da fragmentação social artificialmente
introduzida, no Brasil, nas últimas décadas. Já está claro que a alma
brasileira refuga essa fragmentação, em razão da mistura sanguínea que corre em
nossas veias e da flexibilidade de espírito gerada em nossa experiência
multicultural. A brasileira é a mais universalista das nações, e a nossa alma
impele-nos a convidar o resto do mundo para dançar e festejar – ações que
serão, virtualmente, as mais importantes atividades humanas quando as máquinas
tomarem conta de tudo. Antes disso, porém, precisamos arrumar a casa,
conquistar eficiência, reduzir a pobreza, igualar oportunidades, explorar
nossas riquezas, cultivar virtudes humanas superiores, valorizar nossa
espiritualidade, ampliar nossa capacidade de discernimento e superar a política
primitiva de exploração do homem pelo homem. Precisamos aprender a pensar
metodicamente, entender a natureza, descobrir nosso espaço de possibilidades no
mundo, em razão da consciência e do livre arbítrio que nos foram concedidos;
precisamos dominar a ciência e tornar-nos importantes contribuintes para a
evolução da humanidade; enfim, precisamos superar o desalento pós-moderno e
legar a nossos filhos e netos visão mais otimista do mundo e da vida.
Este é um esboço indicativo de pacto social
possível. Nem é pacto federativo nem esboço de Constituição. Para tanto, ele
teria de ser complementado, corrigido, reorganizado, melhorado e até
substituído por outro melhor, no entanto, é uma ideia unificante que convida ao
diálogo e à soma de esforços de todos que forem capazes de posicionamento
amistoso e cooperativo, isto é, de todos que, verdadeiramente, possuam alma
brasileira. Transformar esta concepção em projeto de constituição requer
trabalho técnico de constitucionalistas cativados pela concepção, livres da
tentação de legislar em defesa das conveniências corporativas da classe
política ou de outra classe qualquer e capazes de focar nos interesses e nas conveniências
da Nação como um todo.
Por último, cabe esclarecer que este
trabalho brotou no âmbito de grupo de estudos de Brasília, designado Segundas
Filosóficas, destinado ao estudo da Filosofia e da Teoria do Conhecimento. O
grupo reúne-se regularmente, há mais de quinze anos, e a sua produção
encontra-se disponível no site https://academiadeplatao.com.br/.
Nesse contexto, este esforço, no âmbito de teoria do estado, constitui desvio
temporário exigido pelas circunstâncias do nosso país e serve, também, para
testar uma teoria de conhecimento gerada no grupo e que se tem mostrado
eficiente em outras áreas do conhecimento, tais como física quântica, história,
filosofia grega, cosmologia, doutrina maçônica e, agora, teoria do estado, sem
que o grupo conte com especialistas nessas diferentes áreas. Em todas essas
áreas, a teoria do conhecimento desenvolvida enseja visões novas e revela
aspectos inusitados e promissores que soam estranhos à luz de referenciais
tradicionais. Nessas condições, convém alertar ao leitor que apenas o velho
pode lhe parecer familiar, o novo, necessariamente, produz estranhamento.
Grupo
de Estudos Segundas Filosóficas
Brasília,
março/2020.