Cap. 7 – A civilização preconizada pelo Logos
Rodrigues, Rubi - 01/08/2011
CAPÍTULO 7 – A CIVILIZAÇÃO PRECONIZADA PELO LOGOS
Descrição do modelo de civilização potencializado pelo logos normativo da racionalidade, caso seja formalmente adotado como paradigma civilizatório. – Objetivo: evidenciar as vantagens comparativas do novo modelo.
O tratamento técnico de um processo complexo de mudança, que envolva ativamente um grande número de pessoas, exige primeiro que se diagnostique e se descreva, com precisão, a situação atual. Em segundo momento, é necessário que a essa situação se contraponha uma descrição também rica em detalhes da situação futura desejada. Em terceiro momento, com base nessas duas descrições, identifiquem-se as forças favoráveis e as forças restritivas à passagem da situação atual para a situação futura. Em quarto momento, cumpre definir as ações que poderão ser adotadas para ampliar as forças favoráveis e para superar as forças restritivas, definindo um plano de ação compatível.
Teoricamente, em linhas gerais, este é o tipo de tratamento que se costuma adotar para se enfrentar problemas complexos. No caso em questão, que trata de promover mudança de padrão civilizatório, tal projeto implica mudança radical no modo de pensar, de sorte que, embora não exista dificuldade para se fazer a descrição da situação atual, quando se trata de especificar a situação futura desejada, isso não pode ser feito a partir das premissas hoje vigentes, mas tem de ser realizado pela exploração dos compromissos estruturais do novo modelo que se deseja implantar, em verdadeiro processo de desvelamento ontológico da estrutura de consequências implícitas nesse modelo. Daí entendermos inevitável que essa especificação do futuro seja feita, inicialmente, por um círculo restrito de pessoas que dominem, suficientemente, o paradigma, para somente depois ampliar e estender a discussão aos demais interessados.
Essa descrição obviamente vai retratar um mundo diferente do mundo que aí está e com o qual estamos habituados e vai, também, soar como quimera ou impossibilidade, caso seja simplesmente julgada a partir dos valores tradicionais. Esse julgamento implicaria inclusive em erro lógico, na medida em que seria pautado em premissas que não estarão presentes na situação futura. Por isso, propomos adotar um artifício que suspenda os aspectos mais hipnóticos do mundo atual, de sorte que, assim, possamos apreciar e avaliar convenientemente o mundo potencializado, tendo em vista apenas seus compromissos estruturais, sua coerência interna e sua capacidade de bem acomodar os seres humanos, garantindo suficiente bem-estar coletivo, satisfatória realização individual e promissor horizonte de preservação da espécie. Com isso estamos também postulando que bem-estar coletivo, realização individual e horizonte evolutivo constituam balizas adequadas à correta avaliação qualitativa de qualquer proposta de modelo civilizatório, inclusive do aqui preconizado.
Para tanto, vamos imaginar que todo o sistema produtivo esteja total e completamente automatizado, desde a produção agrícola até a produção industrial, incluindo o próprio comércio ou distribuição, de modo que o homem não precise mais trabalhar para obter o seu sustento. Nesse contexto, os robôs encarregam-se de tudo, inclusive de gerar a renda necessária para cobrir os custos de produção, de manutenção e de atualização do processo produtivo. Essa produção poderá virtualmente ser contabilizada a custos de fatores e determinar também a renda disponível para sustentar o consumo das famílias bem como se investir. Nesse mundo, mensalmente, em face do valor da produção contabilizada, cada cidadão receberia um crédito do “governo” em seu cartão de débito, suficiente para que adquira tudo que precise naquele mês, e todo o labor humano remanescente estaria voltado ao aprimoramento pessoal, à educação, à cultura, ao lazer e à criação de novos conhecimentos. Nessas condições, apenas a produção de novos conhecimentos e de novos fatores de bem-estar ensejaria virtualmente vantagens diferenciadas, segundo o valor social dos resultados práticos dessa ação laboral e na medida em que tais recursos forem colocados à disposição da sociedade, aumentando os meios de bem-estar disponíveis.
Nesse mundo, o homem continua livre para conduzir a sua vida da maneira que lhe aprouver, naturalmente dentro da lei. Caso não queira fazer nada, receberá igualmente a quota mínima para que possa viver dignamente, mas, caso queira produzir conhecimentos ou participar de qualquer trabalho socialmente útil, poderá engajar-se em um dos milhares de projetos em formação e atuar neles por conta e risco próprio. Caso o resultado venha a ser positivo, poderá ganhar visibilidade e projeção e, caso o projeto fracasse, o custo social ficaria restrito ao apoio em recursos aprovado para o projeto. Os cientistas receberiam auxílio na forma de recursos para desenvolver os projetos, mas somente receberiam projeção social diferenciada no caso de registrarem e disponibilizarem novas facilidades ou descobertas úteis à coletividade, virtualmente segundo o uso que a comunidade venha a fazer da nova facilidade.
Observe-se que, nessa sociedade, o trabalho humano não foi suprimido e continua sendo fator de realização e de dignidade existencial, mas o resultado do trabalho não é mais medido em termos de venda ou de remuneração de um fator de produção, mas, sim, em termos de participação e de contribuição pessoal para o bem-estar coletivo, do qual proviria o próprio prestígio social. As experiências já disponíveis de trabalho voluntário e ações comunitárias não remuneradas, mormente por parte de aposentados que já desfrutam dessa condição financeira, revelam que a satisfação pessoal verdadeira não decorre da contrapartida financeira, mas de uma satisfação pessoal de foro íntimo pela contribuição que aportam ao bem-estar geral ou ao bem-estar de círculos restritos. Na verdade, mesmo dentro do processo produtivo tradicional, se formos meticulosos na análise, veremos que a satisfação pessoal de qualquer trabalhador decorre bem mais de orgulho pessoal pela excelência do trabalho que realizou do que pela remuneração recebida. Assim, nessa nova sociedade, mesmo professores e profissionais dedicados à educação e à formação dos novos cidadãos apenas receberiam projeção e visibilidade social segundo a excepcionalidade do resultado formativo obtido com seus alunos ou, então, pelo registro de patentes de novos métodos mais eficientes de ensino, devidamente testados e comprovados e, ainda assim, em condições incapazes de gerar diferenças ou privilégios sociais acentuados.
A ideia de colocar toda a produção nas mãos dos robôs tem por objetivo desarmar a ganância e evitar a acumulação desmedida em poucas mãos bem como amenizar o espírito competitivo, sem prejuízo da produção necessária ao sustento da população, à manutenção da planta instalada e ao advento de novas facilidades, ou ainda viabilizar novos projetos estratégicos que sejam regional ou planetariamente necessários. Com a hipótese desse modelo produtivo robotizado, esperamos livrar nosso imaginário do condicionamento que, hoje, mantém-nos hipnotizados no processo de produção e de consumo de bens materiais e abrir nossas mentes para estimar como o ser humano poderá sentir-se e navegar em ambiente no qual a produção e a posse de bens materiais não constituam mais o principal objeto de desejos, o centro das atenções ou o destino da parte nobre do esforço humano.
Atualmente, participamos de um modelo civilizatório que nos impõe o trabalho como obrigação, em meio a um processo produtivo no qual as condições de participação estão distribuídas de modo desigual e no qual os desequilíbrios sociais são explorados, visando à acumulação patrimonial, segundo estruturas de poder que desconsideram olimpicamente aspectos humanos essenciais ao bem-estar das pessoas e dos grupos humanos. O resultado é uma arena planetária, na qual competidores, pressionados por instintos de sobrevivência e de ascendência social, precisam esconder boa parte das suas atitudes, eticamente dúbias, e pagam o preço de conviver com mentes conflitantes em diferentes graus de esquizofrenia. O modelo do logos, ao desvendar a constituição natural dos fenômenos, preconiza um ser humano mentalmente equilibrado e integrado ao mundo que o cerca, voltado à efetivação de suas melhores potencialidades, que não pode estar submetido a pressões típicas do estágio puramente animal. Daí a necessidade de se adotar a hipótese do modelo produtivo automatizado e, assim, libertar a mente para considerações livres de tais pressões.
Esclarecido esse pressuposto, parece agora possível explorar os valores implícitos no novo paradigma civilizatório e tentar descrever o espírito que presidiria esses novos tempos. Isso não significa esquecer as questões práticas que, possivelmente, tenham de ser enfrentadas para promover ou para encaminhar a passagem da situação atual para a situação desejada, mas apenas protelar a sua consideração para depois de adquirir entendimento claro das vantagens civilizatórias contidas no novo modelo, afinal os atrativos podem não agradar ou serem insuficientemente sedutores para ensejar que se perca tempo com isso. Caso, porém, ao contrário, eles se mostrem altamente sedutores e vantajosos, certamente teremos ânimo para enfrentar as dificuldades implícitas, avaliar os custos sociais envolvidos e, então, decidir lucidamente a respeito.
Idealmente, um paradigma formal capaz de nos situar fora de cavernas provincianas e sectárias e de alicerçar uma concepção de universo dotada de sustentável pretensão de objetividade e permanência precisa não apenas explicar as condições universais de existência que nos sustentam, mas também revelar-se irredutível, isto é, ser geométrico, bem de acordo com o que o próprio Descartes já prescrevia. O foco na existência se deve ao fato de ser ela a questão primeira imposta pela presença do universo e pelo uso da Geometria, por ser ela a ciência que trata da forma pura e, em assim fazendo, focaliza os modos segundo os quais a existência se dá, o que também pode ser entendido como sendo o último substrato ao qual os fenômenos existentes podem virtualmente ser reduzidos. No presente estágio de compreensão, o nosso conhecimento não nos habilita reduzir o mundo para além do fato existencial e da forma segundo a qual esse fato existencial se efetiva, embora tenhamos plena consciência de que a Lógica e também a Matemática compartilham com a Geometria esse substrato último das coisas(1). O logos, sintetizado na Figura 1: Modelo dimensional do campo existencial, que encerra o trabalho de axiomatização, atende justamente a esses dois requisitos, razão pela qual consideramos adequado tomá-lo como referência para identificar as características do modelo civilizatório que faculta.
(1) Geometria, Lógica e Matemática, na medida em que objetivam, respectivamente, a forma, o movimento e a quantidade, são, segundo nos indica o modelo do logos, saberes diferenciados integrantes e constitutivos da Ontologia do existente. Nessa condição, representam os saberes que contemplam, com maior intimidade e proximidade, a estrutura constitutiva do universo. Não apenas porque, em conjunto, definem o logos universal, mas também porque, intimamente, cada uma delas, isoladamente, tem e contempla compromissos estruturais necessários e inescapáveis que lhes conferem a credibilidade que desfrutam como ciências exatas (embora isso ainda não seja reconhecido na Lógica). Tais características estruturais, como, por exemplo, o valor constante da soma dos ângulos internos de um triângulo, na Geometria, ou a sequência de Fibonacci, na Matemática, indicam que estamos no alicerce constitutivo do existente e diante de condições estruturais inteligentes que, se não impedem, ao menos, dispensam a necessidade de maior redução para que se logre entender a construção assumida pela existência. No livro de 2011, demonstramos que Geometria, Lógica e Matemática são necessárias e suficientes para especificar a Ontologia do existente.
Vamos usar essa mesma figura para visualizar o campo existencial que é comum a todos os fenômenos e destacar as diferentes instâncias constitutivas do existente. Inicialmente, observe-se que a tarja preta na base da figura indica o insondável adimensional, que é fonte potencial de toda existência, e a instância “N”, de dimensões desconhecidas, indica instâncias de complexidade situadas além da atual capacidade perceptiva dos homens e que, eventualmente, podem nem mesmo viabilizar-se como tal. Com isso, considera-se que a existência real comporta conteúdos de uma dimensão, de duas dimensões, de três dimensões, de quatro dimensões bem como conteúdos relativos à totalidade fenomênica, e, simultaneamente, afirma-se que a existência real não comporta qualquer elemento que não se enquadre em uma dessas instâncias, isto é, todo fenômeno que tem existência real apresenta existência e conteúdos existenciais limitados e circunscritos a essas cinco instâncias.
Adotar esse modelo como referência implica fundamentar a nossa compreensão do mundo em um paradigma indicativo e explicativo do fato existencial em geral, o que o torna aplicável a qualquer fenômeno manifesto no mundo. Essa explicação esclarece o surgimento do fenômeno, revela a sua estrutura particular, a sua compleição material, o seu processo histórico e as suas relações de interdependência com os demais fenômenos com quem compartilha a existência, explicita seu horizonte evolutivo natural e, ainda, esclarece o seu abandono da experiência existencial. Trata-se, portanto, de um modelo referencial que abrange toda a existência real do ser, tornando o seu detentor um ser conscientemente situado no mundo.
Tomar esse modelo como referência implica admitir que todos os fenômenos que participam da existência têm origem em plano de potencialidades absolutas e que cada um se desdobra, ordenadamente, em instâncias de complexidade crescente, até atingir a completude fenomênica preconizada em sua estrutura constitutiva. Implica, igualmente, entender que, embora a conquista dessa completude represente também limite fenomênico, a presença de um impulso para a complexidade, permeando a estrutura, mantém aberto para todo existente capaz de articular-se convenientemente com seus pares um horizonte virtualmente ilimitado de complexificação.
As lições que retiramos do Mito da Caverna nos indicam, por outro lado, que a escola – ou melhor, o processo de formação de seres humanos saudáveis, lúcidos e equilibrados, capazes de fazer florescer em si as melhores potencialidades da natureza humana – constituiria, nesse novo ambiente, a principal e mais promissora atividade industrial. Isto é, nesse mundo o esforço humano não estaria como hoje concentrado nas atividades econômicas de produção e de consumo, mas, sim, na formação das crianças e dos jovens. Isso significa que o processo de educação desde a mais tenra idade envolveria instrumentalizar o aluno com esse paradigma, de sorte que seu olhar sobre o mundo se faça não baseado apenas naquilo que seus olhos orgânicos capturam, mas baseado no modelo lógico que, de um lado, determina-lhe os modos de pensar e, de outro, determina a manifestação existencial da natureza, e, em assim fazendo, patrocina e promove a devida sintonia do aluno com o seu mundo. Esse ensino do modelo visaria a não apenas desenvolver inteligência, instrumentalizando o aluno para o exercício competente e autônomo do ato de pensar, mas também a tornar explícito para toda a população o paradigma que preside o modelo civilizatório em que está envolvida, no qual todos foram educados e que lhes cabe não apenas compreender e atualizar potencialidades, mas, até mesmo, promover a sua superação, quando virtualmente ficar evidente que as potencialidades do modelo se exaurem.
Estamos falando, portanto, de uma cultura redesenhada e de uma população consciente dos paradigmas de que se vale na condução da vida e da sociedade, ambiente no qual seriam impensáveis e inúteis os sofismas e os processos subliminares que são utilizados, nos dias atuais, por governos, corporações e grupos de interesse, tanto para escamotear incompetências como para justificar favorecimentos ou, simplesmente, para preservar o controle social. Esse uso consciente do paradigma civilizatório e de virtuais referenciais particulares decorrentes de aplicação restrita, configura uma sociedade fortemente influenciada não somente pela harmonia e pela fraternidade, mas também pela verdade, pela razão, pela transparência, pelo mérito e pela justiça, sem que isso justifique qualquer violência contra a vida ou a menor desconsideração das condições estruturais reais que configuram a condição humana factual, mas também sem desconhecer que o convívio social constitui um projeto e uma obra coletiva, cujas benesses impõem a todos correspondente responsabilidade.
Embora os problemas de violência, de agressividade e de patologias mentais e sociais, quando considerados da perspectiva do velho paradigma cartesiano, pareçam-nos gigantescos, na sociedade do logos universal, essas anomalias não deverão sequer ter oportunidade de se estabelecer, em razão do modelo formativo a ser dispensado às crianças, tanto no lar como na escola e mesmo em qualquer ambiente social. Há estudos suficientes mostrando como os traumatismos, as agressões e a carência de amor e de cuidados, sofridos na infância, respondem por grande parte da agressividade presente nos adultos, de sorte que parece razoável esperar que um processo educativo centrado e preocupado em desenvolver mentalidades saudáveis, psicologicamente equilibradas, associado a um sistema social amigável que não submeta o ser humano a tensões humilhantes, deve reduzir a violência a ocorrências patológicas residuais. Isso implica a compreensão elementar de que mais vale investir fortemente na formação de mentes e de corpos saudáveis, socialmente integrados e psicologicamente equilibrados, do que gastar fortunas em sistemas corretivos onerosos, paliativos e ineficientes, depois que o ser já esteja formado ou deformado pela brutalidade de um mundo agressivo e egoísta.
É sobre o aspecto preventivo e inibidor do advento de patologias individuais e sociais, comparado com os custos sociais hoje incorridos nos sistemas de repressão e de correção de condutas, que devem, em boa parte, repousar as análises econométricas que pretendam avaliar os custos sociais de implantação do novo modelo. Mesmo sem pretender esboçar, aqui, um modelo de avaliação econômica da questão, parece-nos que um segundo aspecto econômico de tais análises talvez deva ou possa ser a substituição do atual modelo industrial baseado em obsoletismo programado, de evidente caráter predatório da natureza, por um sistema fundamentado na maior vida útil e na durabilidade possível dos bens, com cem por cento de reciclagem e de reaproveitamento dos resíduos. Isso configuraria um modelo produtivo efetivamente merecedor do título de econômico. Assim, também os ganhos de eficiência, no nível global, com a redução dos desperdícios de toda ordem, pela eliminação do espírito de concorrência entre as nações e as regiões e pelo advento de um espírito de respeito e de consideração fraternal entre as pessoas, as cidades e as nações, possam constituir um terceiro importante aspecto a ser considerado. Certamente, a cultura humana tem conhecimentos econômicos e recursos técnicos suficientes para avaliar apropriadamente essa questão, mas os três aspectos acima indicados emergem imediatamente como indicativos de que a proposta não geraria um absurdo econômico, mas, ao contrário, ensejaria uma realidade que se afigura plenamente sustentável e justificável também em termos econômicos.
O ponto nevrálgico, porém, na construção de uma sociedade racional e fraterna e, ainda assim, progressista, evolucionista e dinâmica é a concepção de ser preconizada pelo paradigma. Essa concepção está estruturalmente implícita no modelo. O ser de qualquer fenômeno manifesto no plano da existência relativa corresponde ao conteúdo presente na primeira dimensão constitutiva do fenômeno. O ser é o que inaugura a existência, em face de um movimento transcendental. A construção geométrica de uma reta ideal, ao representar produto do deslocamento de um ponto, indica, em primeira instância, a exiguidade da amplitude unidimensional ali presente, mas indica, também, em segunda instância, a amplitude unidimensional do ser que assim se manifesta como movimento existencial. Ocorre, porém, que o ponto que se desloca para formar a reta, quando tomado estaticamente, é definido como um lugar no espaço desprovido de dimensão, isto é, como ocorrência desprovida de dimensão. Ora, adimensional é o ser absoluto de pura potência do qual toda a existência brota e que o modelo indica com uma tarja preta: o adimensional. Logo, o ser que inaugura a existência e que, ao conquistar complexidade, manifesta-se como ser humano dotado de razão e de discernimento constitui, na verdade, emanação (para não dizer parcela) individualizada do mesmo ser absoluto e indiferenciado que é a fonte suficiente de tudo o que existe.(*)
(*) Eis, aí, a demonstração more geometrico da tese metafísica, fartamente demonstrada por Mário Ferreira dos Santos, em sua obra Filosofia concreta, segundo a qual o ser contingente necessariamente tem origem em um ser absoluto transcendente.
Nessas condições, não se pode negar a origem e o status que é devido ao ser humano em particular, em face da consciência conquistada, restando apenas conferir a esse status e a essa descendência, no âmbito da linguagem, um nome que seja adequado e expresse condignamente o que corresponde aos fatos e à verdade. A ciência poderá, eventualmente, encontrar outro nome, mas nós não teríamos dúvida alguma em sacralizar esse ser e, igualmente, a vida que anima esse ser como manifestação presente no plano da existência relativa. Por coerência, deveríamos considerar sagrada não apenas a vida humana, mas todas as formas de vida, cada uma segundo a sua própria natureza de ser e segundo a sua participação na construção da complexidade universal.
Ao sermos originários do mesmo princípio criador, somos todos irmãos e, dessa forma, estão dadas as condições básicas de uma fraternidade universal, congregando todos os membros da espécie. Sacralizada a vida, estará fixado o alicerce de respeito mútuo e de fraternidade, implícitos em uma sociedade pautada na lucidez, no discernimento e na dignidade humana, e estará também definido o projeto coletivo básico como sendo atualizar permanentemente as potencialidades implícitas no projeto humano e ampliar sempre o horizonte evolutivo da espécie. Com isso, emerge um pensamento próprio da espécie, configurando um despertar identitário, com o qual a espécie, como que despertando de um longo torpor mental, descobre-se como singularidade inteligente e vê diante de si não apenas um universo coalhado de galáxias, mas também um universo de novas e inusitadas possibilidades como postura coletiva. Estamos, neste ponto, praticamente diante de um despertar da humanidade como espécie consciente de si e também diante de uma nova e promissora perspectiva que nos cumpre explorar.
A integração e a interdependência de todos os fenômenos presentes no bojo universal evidenciadas, em particular, pela quarta dimensão do modelo, por outro lado, fornecem a base para uma relação harmônica e de cumplicidade com toda a natureza circundante e o impulso para a complexidade coloca no plano subjetivo, o horizonte natural mais promissor de evolução individual e coletiva. Dessa maneira, estão dadas as linhas mestras segundo as quais podem ser projetados os sistemas educativos destinados à formação desse novo homem, e a escola emerge como local privilegiado e centro dinâmico de produção e de reprodução dessa nova sociedade. Possivelmente, menos focada na transmissão de conhecimentos extensivos e fortemente dedicada à construção de personalidades e de espíritos fortes, capazes de colocar-se de forma serena e responsável diante da vida, formando seres humanos ávidos por aproveitar, com alegria, a oportunidade representada pela vida nas circunstâncias dadas.
Nessa sociedade, a vida é consagrada, de um lado, à conquista de saber e de discernimento e, de outro, ao desenvolvimento das potências latentes do projeto humano. Entender e aperfeiçoar-se como ser é o propósito central do desenvolvimento e a razão suprema da existência. Qualquer descoberta científica e qualquer novo recurso de bem-estar colocado à disposição representam apenas meio útil ao desiderato de ampliar discernimento e competência existencial. Não parece difícil perceber as potencialidades embutidas numa transformação social que aumente de 0,3% para 30% o percentual de cientistas da população, e chega a ser imponderável o que poderá advir em prazer, satisfação e realização humana, pelo aumento exponencial da sensibilidade, da arte, da criatividade e, particularmente, da evolução e do domínio das emergentes ciências do espírito, em meio a uma sociedade já não mais submetida às tensões e aos desconfortos próprios de estágios sociais primitivos, nos quais predominam impulsos instintivos e preocupações de sobrevivência, além de ameaças constantes à integridade física e psicológica dos cidadãos.
O logos revela um universo feito essencialmente de energia, rigorosamente integrado e organizado. A própria ciência já demonstrou que, nesse universo, a condição material é residual e constitui exceção e que a condição energética é avassaladoramente predominante. Somente em face desse dado, um ser inteligente, dotado de perspectiva cósmica, apostaria na energia e não na matéria. Como seres materiais, estamos confinados à superfície deste planeta e não temos a menor possibilidade de chegar à estrela mais próxima. Aqui, neste planeta, vemos as maravilhas que a natureza produz naturalmente, com a maior simplicidade, e vemos a vida brotar insinuante em qualquer oportunidade que se ofereça, por mais estreita e precária que seja. Como pensar que esse vasto universo, no qual o número de estrelas compete com o número de grãos de areia das praias do planeta, seja vazio de vida e de inteligência?
Precisamos crescer, deixar de ser crianças, tornar-nos adultos e deixar de pensar que somos algo de especial nesse universo. Precisamos assumir nosso destino, descobrir e atualizar as nossas potencialidades na condição de seres de energia e nos habilitar como espécie, a participar ativa e responsavelmente desse universo. É óbvio que o universo fervilha de vida e que seres e civilizações transitam pelas galáxias, em intenso intercâmbio. Como será que tais inteligências nos veem? É difícil inferir por que não se comunicam conosco? É óbvio que não o farão enquanto continuarmos sendo geocêntricos e provincianos e não adotarmos uma perspectiva cósmica. Parecemos vermes comendo uma maçã cósmica. Quando a maçã terminar, vamos desaparecer simplesmente porque fomos incapazes de criar asas e de voar até a maçã mais próxima? Ou vamos tomar as rédeas do nosso destino nas mãos e adotar atitudes que nos recomende diante do conserto das restantes inteligências universais?
Independentemente disso, e ainda que sejamos a única espécie inteligente da galáxia, já está claro que não há como transitar fisicamente por distâncias tão vastas, de sorte que, caso pretendamos expandir o nosso âmbito de ação para além do sistema solar, vamos ter de descobrir tecnologias situadas fora do atual horizonte das ciências. Nesse aspecto, quer nos parecer que as ciências do espírito preconizadas pelo logos nos oferecem uma alternativa promissora, a começar pela focalização, trato e domínio da energia que nos sustenta na condição de seres vivos.
Nem mesmo há novidade nisso. Culturas orientais têm ampla experiência no cultivo das bioenergias que dispomos, com resultados reais comprovados em termos de equilíbrio e de harmonia psicossomáticos. Nesse contexto, lembro-me de pesadelos quando tinha cinco anos e lembro-me, particularmente, de uma ocasião em que fui acudido pela minha mãe no meio da noite, exclamando aflito que estava muito grande, tão grande que tinha saído da atmosfera e estava no espaço sideral próximo. Diante disso, fico imaginando o que resultaria de crianças educadas sem medo e sem castração, em um mundo onde essas manifestações fossem cultivadas e submetidas ao domínio da razão.
Menciono o conteúdo energético, apenas por se tratar do aspecto não material mais próximo da ciência atual, que seria certa e francamente contemplado por uma ciência do ser ainda desconhecida, mas que, além da dimensão energética, contemplaria, com toda certeza, dimensões outras, como a somática, a emocional e a mental, para mencionar somente o que se apresenta mais evidente. Na verdade, hoje, perdemos o foco do ser, negligenciamos o ser e nem mesmo temos ideias claras de que aspectos tal ciência contemplaria. Embora existam registros de manifestações extrassensoriais ou paranormais, o estudo de tais questões ocupa ainda posição marginal à ciência, como a sua própria denominação indica. No caso de uma ciência voltada para o ser, essas questões seriam colocadas no centro do foco científico, simplesmente porque seria esse ser que precisaria ser conhecido, compreendido e desenvolvido.
Em termos mentais, o logos disponibiliza a ferramenta ideal para o uso metódico da razão e da racionalidade. Uma ferramenta que, organizando e hierarquizando o conhecimento, de modo a evidenciar a verdade do paradigma, evita, ao mesmo tempo, a anomalia dos sofismas que tem sido usados para justificar privilégios, ineficiências e desperdícios, patrocinados por mentes esquizofrênicas que, em lugar de promover o desenvolvimento do seu próprio ser, buscam realização, submetendo e dominando incautos, desperdiçando, assim, a oportunidade de viver e de capitalizar a sinergia própria da ação coletiva. No final, vivem e morrem solitários, encastelados em seus palacetes, embriagados no seu egoísmo, sem desfrutar do prazer de contribuir para a aventura existencial humana.
Não! O logos não cultiva egoísmos. Mantém a individualidade como responsabilidade pessoal indelegável de autodesenvolvimento, mas cultiva, como testemunho de lucidez e de inteligência, percepção clara de que é, na ação coletiva ordenada e sincronizada, que residem as melhores e mais poderosas potencialidades da espécie. Esse novo homem sabe que, assim como a abelha não sobrevive fora da colmeia, também não há humanidade em seres humanos isolados. Conscientes de que ser humano representa ato coletivo, a universalização da correta formação desse ser há de propiciar uma sociedade na qual todas as soluções inibidoras, do tipo “quebra-molas”, sejam dispensáveis, permitindo uma brutal redução de custos. Hoje, observamos crescer constantemente o contingente de policiais, virtualmente na mesma proporção que crescem os crimes e a quantidade de bandidos. Podemos dizer que há evolução civilizatória enquanto os contingentes de policiais e de bandidos crescerem? Ou devemos pensar que evolução civilizatória será atestada pela redução do número de bandidos e de policiais? A lição mais evidente e menos compreendida do terrorismo é a de que, qualquer que seja a guerra, não há mais vencedor. Temos ou não aí mais uma evidência clara da falência da perspectiva cartesiana?
Usamos a figura do quebra-molas para caracterizar todo tipo de aparelhos, meios e recursos inibidores de comportamentos socialmente indesejáveis, mas queremos invocar todos os custos sociais que tivemos de assumir para compensar a falta de lucidez e de responsabilidade que não conseguimos produzir no processo regular de ensino e de formação dos cidadãos – exércitos, estruturas policiais, sistemas de segurança, sistema carcerário, a maior parte do sistema jurídico e de administração de justiça, grande parte do sistema de recuperação da saúde e mil outras atividades que foram criadas para compensar nossa incompetência em cuidar das nossas crianças e formar homens integrais e não apenas bichos-homens que precisam ser pastoreados para que se comportem como gente.
Observe-se que sabemos tão pouco do que resultaria de um cultivo do ser, que se torna mais fácil estender críticas ao modelo atual do que efetivamente traçar, ainda que em pálidas pinceladas, o mundo que tal cultivo potencializa. Na verdade, não apenas estamos desprovidos de uma síntese ou de uma conceituação convincente sobre o que seja esse ser, como desconhecemos o que esse ser comporta em ato e potência em toda a sua extensão existencial. Temos notícias de mãos que curam e de organismos que não adoecem. Temos notícias de mentes que percebem à distância e de outras que à distância se comunicam. Temos notícias de mentes que intuem o futuro e de mentes que percebem o passado. Temos notícias de mentes que abandonam o corpo físico, vão alhures, vislumbram o que está acontecendo e conseguem relatar tudo com riqueza de detalhes. Temos notícias de terapias que removem traumatismos de vidas passadas e de cirurgias espirituais. Temos notícias de que, antes que se instale uma doença física no corpo, manifesta-se presente um distúrbio energético e emocional de muito mais fácil remoção. Temos notícias de doenças curadas com a simples administração de placebos e de outras curadas simplesmente porque o paciente assim o decidiu. Temos notícias e até experiência de exercícios que permitem lembrar os sonhos e de casos bem-sucedidos de interpretação de sonhos. Temos notícias e até experiência de aprendizados e de soluções de problemas durante o sono. Temos, enfim, a experiência irrecusável da presença desse ser que somos nós mesmos, que encontramos sempre como operador presente no fundo da nossa consciência, toda vez que nos voltamos para dentro e, na verdade, não sabemos exatamente que ser é este, não sabemos bem quem somos, não sabemos nem o que somos, a que viemos e, menos ainda, para onde vamos.
Dedicamos os últimos trezentos anos ao estudo metódico da matéria e da materialidade e produzimos um acervo tecnológico que nos permitiu realizar grandes feitos civilizatórios, no campo da engenharia civil, da mecânica e das máquinas, dos meios de transporte, da eletrônica e das comunicações, e estamos avançando em áreas promissoras, como as da robótica, da nanotecnologia, da engenharia genética e de uma centena de outras frentes que descortinam infinitas possibilidades de interação e de útil aproveitamento da natureza. Devemos esse resultado ao advento do método científico e do concurso de paradigmas que orientaram o labor científico e concentraram a atenção dos cientistas em objetos bem determinados, permitindo aprofundamento adequado e persistente nas questões. A tecnologia resultante é o produto natural dessa concentração de esforços, e tudo indica que já reunimos conhecimento suficiente para prover todos os homens de condições físicas ambientais aconchegantes e favoráveis, para que todos possam desfrutar da vida em condições dignas de segurança e de bem-estar, compatíveis com o grau superior de urbanidade e de discernimento que sabemos ser perfeitamente possível à espécie humana, caso o homem deixe de ser constantemente desafiado a recorrer às soluções instintivas próprias da condição animal.
Dado que esse resultado foi obtido em face da presença de um paradigma que concentrou a atenção humana na materialidade e na matéria, despertando, no homem, o desejo patrimonialista de possuir bens materiais, de ter a posse de bens físicos, parece perfeitamente adequado esperar que o mesmo avanço seja conseguido, adotando-se um referencial que concentre a atenção no ser e desperte o correspondente desejo de realização espiritual. Os resultados nas ciências do espírito deverão ser tão intensos e importantes quanto aqueles da ciência da matéria, pelo simples fato de a atenção científica passar a ser focalizada no ser. Antecipar quais são os resultados que a ciência do espírito deve alcançar afigura-se tão difícil, hoje, como teria sido difícil a um homem do século XVII, na época em que o espírito científico cartesiano se consolidava, antecipar as tecnologias que esse modo emergente de pensar propiciaria. De que modo alguém, à época da Revolução Francesa, poderia, por exemplo, pensar em telefonia celular?
Não se afigura, portanto, razoável, pretender realizar uma comparação tecnológica entre uma cultura do ter e uma cultura do ser, embora a cultura do ser não implique o abandono das conquistas e das benesses propiciadas pelas tecnologias da matéria, mas apenas advogue a necessidade de revalorização das coisas, em patamar superior e mais elaborado de discernimento. Nesse novo patamar, emerge a consciência de que felicidade e bem-estar são, sobretudo, propriedades e condições do espírito, sendo nessa condição que devem ser apropriadamente cultivadas e perseguidas. Não significa isso desconsiderar a presença de um corpo físico e desconhecer as contribuições que os recursos materiais aportam para o bem-estar das pessoas, mas apenas retirar a expectativa de que sejam eles os elementos determinantes da felicidade humana e atribuir-lhes apenas o valor que efetivamente lhes corresponde.
Isso representa inversão das expectativas de consumo que, atualmente, motivam os processos de desenvolvimento. Não há como negar a legitimidade do desejo de todos os homens do planeta desfrutarem do mesmo nível de consumo usufruído pela nação americana, e o fenômeno econômico chinês demonstra que é possível aumentar aceleradamente a produção. Mas já está igualmente demonstrado que, caso esse nível de consumo seja estendido apenas ao povo chinês, não há planeta suficiente para prover os insumos demandados. Portanto, a necessidade de dissociar a felicidade do consumo de bens materiais não se apresenta apenas como uma das opções disponíveis, mas como, possivelmente, a única alternativa que resta, antes que as massas adquiram consciência do engodo de que são vítimas e identifiquem, nos governos instituídos, o principal entrave ao justo desejo humano de felicidade e os reconheçam como frágeis feitores de feudos decadentes.
Com isso, talvez o aspecto mais relevante a se considerar para a adequada apreciação das vantagens de uma civilização do ser consista da devida consideração das implicações e dos efeitos nocivos implícitos em modelo civilizatório centrado no ter. Há sobre isso vasta literatura e há, sobretudo, o cotidiano testemunho dos meios de comunicação que se comprazem em estampar, em manchetes garrafais, a tragédia humana que se faz presente em todas as latitudes do planeta e em todos os povos e nações, indiscriminadamente. Basta meditar, à luz de cada notícia e de cada tragédia, em que medida aquele evento decorre do nosso apego à materialidade e de nossa desconsideração do ser e das coisas espirituais. Faça o leitor um exercício pessoal e assista o próximo informativo da TV com esse espírito crítico em mente e chegará a sua própria conclusão. No final, o leitor poderá ainda perguntar-se sobre quem está pagando pelo conserto dos estragos causados em cada tragédia ou implícitos em cada notícia e terá justa avaliação do modelo vigente. podendo compará-lo com o modelo que o logos propõe.
Se essa avaliação resulta ser de certa maneira negativa, ao firmar-se sobre custos sociais que deixariam de existir, em modelo cultivador de lucidez, de discernimento e de dignidade humana, podemos fazer uma avaliação positiva sobre os meios de comunicação e imaginar quais utilidades poderiam ser dadas à televisão e a toda a mídia falada e escrita. Em ambiente no qual a propaganda e a formação de mercados, hoje voltadas ao fomento do consumo de bens materiais e à promoção de marcas, implique perda de tais utilidades. Por intermédio dos vários meios de comunicação, apenas programações educativas, culturais, de lazer e governamentais fariam sentido. Os diferentes canais de TV poderiam assumir, virtualmente, funções sociais integradoras e ativas, na condição de centros locais ou setorialmente especializados de coordenação, promoção e divulgação de projetos, de estudos e de pesquisas, desempenhando o papel de centros de organização, registro, preservação e disponibilização de informações de programas ou de projetos. Canais ou programas atuando de modo interativo poderiam agilizar trabalhos com milhares de participantes, sem necessidade de deslocamentos físicos das pessoas, e possibilitar, assim, gigantescos alívios de tráfego nas vias públicas e nos sistemas de transportes.
Desse modo, os chamados meios de comunicação social voltariam ao leito natural indicado pelo título, como instrumentos de integração e de desenvolvimento social, leito do qual foram desviados quando capturados por interesses políticos e pela economia de mercado. Temos, nesse ponto, uma diferença palpável: os meios de comunicação de massa atuando como instrumentos de integração, veículos de participação e ferramenta de desenvolvimento social, condição na qual ensejariam que se pensasse mil vezes antes de veicular certos conteúdos. Nesse sentido, precisamos reconhecer que, hoje, a televisão, em particular, opera francamente como predadora social, na medida em que induz os telespectadores, manipulando-os a serviço de interesses localizados, falseando a verdade segundo conveniências econômicas particulares. Da mesma forma, coloca-se como obstáculo ao aperfeiçoamento ético e moral da população, quando veicula e difunde a violência e estimula valores instintivos próprios da animalidade. O modelo do logos, ao evidenciar padrão evolutivo de abrangência cósmica, informa-nos que o ser humano constitui estágio evolutivo que se assenta sobre uma base orgânica de compleição animal. Ensina-nos que esse animal, quando instrumentalizado com raciocínio lógico e memória, torna-se, nos estágios iniciais de discernimento, o mais terrível dos predadores que a natureza é capaz de engendrar, pelo simples motivo de gerar um animal vingativo e traiçoeiro, em razão da engenhosidade que é capaz de lançar mão para conseguir seus intentos. Ora, sendo o caso de a condição humana representar estágio evolutivo que se sobrepõe a condição animal, cumpre cultivar sentimentos e atitudes correspondentes e não ficar invocando constantemente comportamentos tipicamente animais, e o que é pior, representativos dessa fase de transição entre o animal e o humano, que contempla justamente não só o pior da condição humana como também o pior da condição animal. Em termos civilizatórios, esse período deveria ser tratado como momento de crise evolutiva, estrutural e transitória, que, ao contrário de ser cantada em verso e prosa, deveria ser considerada bárbara e vergonhosa e, por isso, ser relegada, se não ao esquecimento ao menos a plena superação. Todo esse acervo gigantesco de filmes violentos, de terror e de pornografia, no máximo, deveria estar disponível em museus de imagens e de sons, para embasar estudos sobre essa fase doentia que a humanidade teve de superar, para conquistar maturidade intelectual. O mesmo pode dizer-se de toda propaganda de mau gosto que usa o corpo da mulher para promover alguma venda, configurando agressão abominável à dignidade dela. Colocar uma mulher de quatro, vestida de fio dental, para vender amortecedor automotivo, constitui inaceitável atentado à dignidade humana, próprio de mentes sádicas e doentias, se não completamente perturbadas por ciúme, despeito ou inveja, em face de a natureza não lhes ter agraciado com os mesmos atributos.
Todo o processo de vulgarização hoje em curso, em nome de um suposto direito de livre expressão, representa, na verdade, monumental atestado de ignorância e barbárie, amparado em sofismas possibilitados pela precariedade do discernimento médio vigente. Exemplo claro é a vulgarização do sexo em contraponto à sua histórica conversão em pecado, sem o menor cuidado e consideração das implicações psicológicas e estruturais envolvidas, tanto em sentido individual de formação das personalidades quanto em sentido social e civilizatório de uma espécie sexuada que precisa, por isso mesmo, harmonizar-se plenamente com todos os seus atributos, tão bem como com todas as suas potencialidades e limitações. Afinal, ninguém pode ser feliz estando em desacordo consigo mesmo e com sua realidade existencial, mas reduzir a vida humana à sexualidade é desprezar a riqueza que é própria da condição humana, em favor de uma singularidade que é comum ao biológico: nivelamento por baixo.
Mais essencialmente, tem-se, hoje, particularmente no Brasil, uma ideia fantasiosa e distorcida de liberdade, completamente divorciada da contrapartida estrutural inescapável do conceito: a correspondente responsabilidade. Tudo se passa como se o convívio social pudesse dar-se à margem de um protocolo social respeitado por todos, como se o fato civilizatório dispensasse um protocolo e pudesse ocorrer cada um fazendo o que bem entendesse, ou pior, como se a lei fosse apenas para a massa da população, mas não para seus espertos dirigentes. Estes, em nome de falsos direitos humanos e de cidadania, cujo amparo e desfrute os fizeram independentes de qualquer comportamento humano e cidadão correspondente, montam sistemas legislativos e judiciários projetados sob medida para mantê-los fora do alcance das regras e das punições que são impostas à população em geral, e, assim, a democracia, um dos frutos promissores da criatividade humana, é desfigurada para dar lugar a um criminoso banquete de alguns, sugando o trabalho e a riqueza da nação.
Atuando na condição de ferramentas a serviço do interesse coletivo, isto é, como instrumento a serviço da evolução social, a televisão e os meios de comunicação poderiam patrocinar profundas alterações tanto no modo de a escola desenvolver as suas atividades formativas quanto no modo em que são exercidas as atividades voltadas à gestão do interesse coletivo e que, hoje, chamamos genericamente de governo.
O que um professor e sua turma poderiam fazer se pudessem trocar imagens ao vivo e a cores com outro professor e outra turma de qualquer parte do planeta? Como seria se a atividade exploratória de campo de uma turma pudesse ser compartilhada interativamente por outras turmas espalhadas mundo afora? O que aconteceria se aquela aula magistral de um professor qualquer pudesse correr mundo e beneficiar muitos mais alunos? E se não apenas a aula, mas também trabalhos excepcionais de alunos pudessem correr o mundo? O que aconteceria se, em lugar do professor explicar história e geografia, os alunos participassem de viagens virtuais aos locais mencionados? Enfim, parece que as possibilidades são ilimitadas, e os ganhos em qualidade do ensino, igualmente inimagináveis.
O governo, por seu turno, poderia retornar ao leito original da concepção que preconiza a venerável e respeitável figura de um chefe de nação, serenamente comprometido com o bem-estar e a harmonia do povo, que lidera por personificar a excelência da espécie, pelo exemplo de vida e de dedicação, tão distante do executivo e asséptico presidente de um estado moderno, que se esmera em culpar as circunstâncias e alardear pífios resultados, cujo compromisso fundamental é com o seu grupo de sustentação – líder, na maioria das vezes, completamente destituído de visão globalizante e de perspectiva fundada de futuro, que se limita a reproduzir a cultura vigente, de forma maquinal, por ser incapaz de lhe fazer uma crítica e reconhecer as evidentes e perigosas tendências atuais. Qual o governante ocidental moderno que já expressou reconhecimento de que a corrupção deixou de ser um desvio patológico da competição de mercado e se tornou a ferramenta básica essencial dos grandes negócios públicos?
Em ambiente automatizado, a gestão governamental objetiva e relevante talvez se concentre na programação adequada da produção, segundo a demanda e na competente manutenção dos recursos e dos aparelhos públicos e privados de sustentação da vida e da dinâmica social, virtualmente distribuídos em cidades criteriosamente planejadas, para viverem como unidades independentes de população mais ou menos estável, em concepção urbana e escala apropriada à gestão eficiente das condições de produção, distribuição, reprodução, sobrevivência, lazer e bem-estar.
Com o afastamento da remuneração, desaparecerão também os interesses econômicos egoístas, a corrupção e o próprio modelo político de representação, de sorte que as funções públicas tendem a atrair apenas aqueles indivíduos cujo legítimo espírito público encontre satisfação e realização no exercício de tais funções, a maioria delas exigentes de conhecimentos técnicos especializados apropriados. O próprio conceito de democracia precisa contemplar limites dentro dos quais se aplica, e, neles, tende para uma ampla participação de cidadãos habilitados e para um exercício absolutamente transparente dos processos decisórios, transmitidos ao vivo, virtualmente com registro gravado e público dos processos, inclusive dos que envolvem a administração da justiça.
Nesse ambiente, a área mais dinâmica, possivelmente, seja a de projetos de desenvolvimento e de pesquisas amparados com recursos públicos, tendo em vista o interesse geral. O papel governamental estaria restrito à seleção de projetos, à priorização e à alocação de recursos. Nesse aspecto, a televisão e os meios de comunicação podem funcionar como elementos de divulgação, de coordenação e de acompanhamento de projetos, facultando participação ampla, independentemente de distâncias, que aproveite todas as competências disponíveis. Não se trataria mais de explorar a população como recurso de produção ou como mercado, mas de unir todos os homens em torno da construção e da reprodução da sociedade. O que aconteceria se, em dado momento, todas as mentes pensantes do planeta se concentrassem simultaneamente na análise e na consideração de um mesmo problema? O que aconteceria caso as pesquisas que são hoje desenvolvidas isolada e secretamente em laboratórios de segurança máxima, visando a vantagens econômicas de grupos privados, contassem com a participação de toda a comunidade de especialistas internacionais na área, já que não estaria mais em pauta a conquista de vantagens comparativas, mas o interesse geral da espécie? O que aconteceria se os grupos, hoje econômicos, perdessem o interesse que os faz manter trancadas em gavetas soluções tecnológicas já disponíveis que não são implementadas porque contrariam seus interesses econômicos?
A impressão que nos invade é que, em cem anos, teríamos eliminado toda a miséria e todas as doenças do planeta, a Terra voltaria a ser o Jardim do Éden, que um dia possivelmente já foi, desta feita, sob vigência da razão e da racionalidade humana, e estaríamos virtualmente ensaiando nossas primeiras viagens pela galáxia. Talvez interagindo com seres e inteligências imponderáveis, oriundas de estrelas cuja existência sequer desconfiamos ou talvez até de estrelas visíveis em noites de céu limpo: nossos insuspeitos vizinhos.
Três mil e quinhentas cidades de dois milhões de habitantes estrategicamente distribuídas pelo planeta, em locais criteriosamente selecionados, seriam suficientes para abrigar toda a população atual, e, no caso de a produção hidropônica de alimentos ser viável em fazendas verticais, o restante do planeta poderia ser cultivado com florestas e coberturas naturais, conforme soluções convenientes ao equilíbrio saudável do planeta.
Na verdade, pensamos estar dispensados de avançar por esse tipo de descrição que envolve detalhes sobre soluções técnicas que estão já disponíveis ou podem rapidamente ser disponibilizadas. Existem, mundo afora, muitos esforços e muitas instituições preocupadas em estudar alternativas civilizatórias mais promissoras para a humanidade. Essas instituições enfrentam sérias dificuldades de articulação no mundo competitivo em que vivemos e, certamente, dão contribuições importantes caso sejam convocadas a contribuir. Somente em Brasília, rapidamente, podemos enumerar uma dezena de entidades dedicadas a tais estudos alternativos, como a Universidade Holística, a União Planetária, a Sociedade Teosófica do Brasil, a Nova Acrópole, a Maçonaria, a Civilização Solar, entre outras, além de grupos informais como o nosso que se reúne regularmente em Segundas Filosóficas, para discutir Filosofia e tais questões. Isso certamente repete-se em todo grande centro de todos os países, e um chamamento geral à participação dotado de suficiente credibilidade há de obter uma resposta estrondosa. No plano internacional, cabe destacar The Zeitgeist Movement e, mais precisamente, o Projeto Venus, cujos vídeos estão disponíveis na internet e contemplam muitas ideias concebidas na perspectiva de um mundo não egoísta ecologicamente sustentável. Esse movimento nos oferece, inclusive, exposição contundente, mostrando o quanto nos tornamos insensíveis e desumanos quando hipnotizados pela ganância materialista, e, também, demonstra, em linguagem própria, o prejuízo civilizatório causado pelo monetarismo, propondo como alternativa um modelo de economia baseado em recursos que merece ser estudado com muito carinho, pois contempla a total eliminação da moeda.
Focalizando o campo dos movimentos alternativos à cultura vigente, pensamos que o paradigma do logos confere virtualmente a todas essas instituições o fundamento filosófico-científico que lhes falta, potencialmente capaz de uni-las sob amparo de uma mesma doutrina centrada no ser, que está dito, interdito ou pressuposto em todas elas, apesar das perspectivas e das linguagens diferenciadas que adotam. Dado que todas oferecem críticas consistentes e fundadas à cultura atual e buscam invariavelmente redesenhar a cultura com resgate da dignida