Biblioteca

TMC I - Módulo 30

Rubi Rodrigues - 07/06/2022

Teoria do Conhecimento I – módulo 30

No módulo 29, concluímos o exame do processo de evolução do discernimento revelado pelo algoritmo da criação, caracterizamos o hominídeo original (fase A) como desprovido de autoconsciência, caracterizamos um hominídeo mentalmente evolutivo (fase B) por ser dotado de autoconsciência e caracterizamos a plenitude humana (fase C) como habilitação para pensar a totalidade. No final, perguntamo-nos onde seria adequado e conveniente situar o homem moderno dado o seu atual estágio civilizatório.

A resposta adequada a essa questão requer cuidados, porque uma leitura equivocada da realidade leva a uma compreensão também errada e a enfrentamentos inadequados dos problemas. É preciso, então, conseguir uma resposta realista e correspondente.

Situar o homem moderno na fase C pode ser lisonjeiro, mas enfrenta o obstáculo de serem raros os indivíduos metodologicamente aptos a pensar a totalidade, como foi visto no módulo 29. A par disso, posicionar a humanidade na fase C implica considerar que ela já atingiu a plenitude humana, avaliação que não só destoa do processo evolutivo universal ilimitado, ou aparentemente ilimitado, como, à vista das mazelas e das misérias que persistem mundo afora, acaba ressaltando os defeitos humanos que permitem tais barbaridades, isto é, conduz o nosso foco e a nossa atenção para os defeitos e as imperfeições humanas.

Situá-lo na fase B possui o inconveniente evidente de rebaixar o status humano consagrado e aceito pela cultura para um estágio ainda pré-humano, mas possui a vantagem de conduzir o nosso foco para as potencialidades latentes que habilitam a espécie para a conquista de um estágio superior de plenitude humana. Tratar de potencialidades parece mais promissor que lamentar defeitos. Apesar disso, nenhuma das soluções soa convincente, o que indica que precisamos mergulhar mais profundamente no problema.

Quando se examina a situação do indivíduo situado na fase A, podemos deduzir que a situação de vida do hominídeo original era particularmente precária e frágil em comparação aos outros animais. Desprovido de garras, desprovido de presas, sem aspas, sem cornos para se defender, sem cascos nos pés e sem couraça protetora nas costas, até mesmo sem couro e sem pelos grossos para dificultar, com crianças lerdas para se pôr a salvo, não é difícil deduzir que, durante milênios, o hominídeo deve ter sido a caça predileta dos carnívoros. Fácil de capturar, à primeira mordida, o sangue doce já se oferecia suculento e generoso.

Precisamos ter em mente que foi na moldura dessas condições estruturais draconianas que se desenvolveram os instintos de sobrevivência da espécie, os instintos gregários e os instintos maternais de cuidado e de proteção dos filhos. Possivelmente, essa fragilidade orgânica e essa desvantagem funcional na luta pela sobrevivência também ensejaram o advento da solução evolutiva do cérebro, possibilitada pela experiência de noites de vigília ao lado da fogueira, com olhos atentos à escuridão da floresta, luzes misteriosas no céu, por vezes, a violenta irrupção de um predador na lareira e o rápido retorno à floresta, com uma vítima gritando presa nas mandíbulas. O medo e o terror persistindo na lareira, muito depois dos gritos de agonia terem cessado na escuridão da noite, e a sensação de impotência e as doses cavalares de adrenalina organismo adentro, forçando os limites orgânicos e, em desespero, exigindo solução.

Ora, quando surge a autoconsciência que deflagra o processo evolutivo do discernimento, os instintos de sobrevivência que animam esse novo ser são aqueles forjados à base de horror e adrenalina, na desigual luta hominídea pela sobrevivência. Uma herança instintiva que, em algum momento da história evolutiva, ao mesmo tempo que adquiria inteligência, deve ter resultado no mais terrível e vingativo predador que já pisou sobre a Terra. Apenas depois, à medida que a experiência mostrou as vantagens do trabalho cooperativo e de relações grupais amparadas em regras e protocolos de convivência é que a civilidade – o que entendemos por civilização – foi domando paulatinamente os instintos, fazendo predominar os estatutos da razão. De sorte que, em essência, tanto no nível pessoal como no nível coletivo, em nosso processo civilizatório, subjaz uma luta de superação dessa herança instintiva, tão feroz quanto inescapável, por atitudes civilizadas que apenas podem emergir pelo avanço e pelo aperfeiçoamento da capacidade humana de discernir e de entender o universo e a natureza que nos constitui.

Essa análise mostra-nos que, tanto individual como coletivamente, o homem ainda está empenhado em um processo de evolução mental e de discernimento e que convém entender que ele ainda não conquistou a plenitude humana, caso a entendermos como conquista da capacidade de pensar metodicamente a totalidade.

Essa localização no processo geral de desenvolvimento mental não possibilita, porém, localização precisa da mente moderna que seja instrumental, isto é, que permita adotar medidas pertinentes e adequadas.

Aprofundemos a análise no próximo módulo.

© Academia Platônica de Brasília 2024 - Todos os direitos reservados.