Guerra cultural
Rubi Rodrigues - 15/04/2019
Crise no MEC: guerra cultural
A esquerda socialista conquistou o poder, no Brasil, mediante estratégia cultural que tornou hegemônico, no meio acadêmico, certo modo específico de pensar, que ganhou projeção planetária a partir do manifesto de Marx publicado em 1848. Esse modo de pensar, patrocinado pela lógica dialética – que contrapõe tese e antítese na construção de uma síntese –, presta-se magnificamente bem para criticar a lógica clássica – que relaciona causa e efeito, possibilitando a construção de sistemas – e patrocina a perspectiva histórica que revela a sucessão de fatos e de eventos que antecederam e geraram as atuais circunstâncias. Marx não era um lógico, ele apenas vale-se da dialética para mostrar o processo de exploração que a revolução industrial havia engendrado e para exigir a imposição de limites éticos à sanha rentista dos capitães de indústria. Bem amparada na lógica dialética, essa crítica revela-se consistente. Marx, porém, vai além da lógica e propõe uma concepção ideológica de gestão do interesse coletivo, designada, ardilosamente, por comunismo, nome que sugere a prevalência do bem comum, no exercício do poder político. A lógica dialética e o modo histórico de pensar não se prestam para projetar estruturas estáveis de Estado. A lógica apenas vislumbra o processo histórico no qual não existe estabilidade, mas apenas permanente e constante mudança e transformação, de sorte que, para o propósito de criar instituições estáveis, a dialética não apenas é inadequada, mas também contraditória. Marx, adicionalmente, não percebeu que a sanha rentista dos capitães de indústria de seu tempo assentava-se em egoísmo estrutural instintivo e natural, adquirido pela espécie humana, na sua luta pela sobrevivência, constituindo fator que apenas pode ser superado, na medida em que o processo civilizatório consegue impor-se e dominar a naturalidade instintiva. Com isso, a concepção ideológica de Marx, na prática, apenas transfere a oportunidade de exploração dos capitães da indústria para os capitães do partido. A história do século XX oferece-nos lições insofismáveis sobre os resultados de tais equívocos.
Para além das ideologias, porém, a hegemonia conquistada pela lógica dialética, nas camadas intelectualizadas do Brasil e do mundo, possui razões lógico-estruturais inerentes aos recursos instrumentais que possibilitam a racionalidade e o entendimento humano e que são fatores determinantes da competência humana de bem interpretar e entender o mundo e as coisas. A chamada pós-modernidade configura um estágio civilizatório bem caracterizado, que não se restringe a uma concepção política, mas estende-se a todos os aspectos do convívio social. Seu índice comum é a perspectiva histórica patrocinada pela lógica dialética. Com isso, podemos entender que o processo de conquista do poder político, pela esquerda socialista brasileira, aproveitou e capitalizou a disseminação, em território nacional, da dialética e do modo de pensar que ela potencializa. Dado que a dialética se revela estruturalmente superior à lógica sistêmica – uma vez que consegue criticá-la –, resulta compreensível a sua hegemonia tanto no meio acadêmico de ensino como nos âmbitos profissionais tributários das ciências sociais. O problema, portanto, não está na lógica dialética e no seu poder de revelar as lições da história, mas em confundi-la com a ideologia que lhe forneceu o caso concreto que incrementou e possibilitou, historicamente, a sua rápida disseminação. Lógica e ideologia são coisas distintas: lógica faculta modo racional de pensar, e ideologia diz respeito a modos de organizar e de gerir o Estado. Com isso, é preciso entender que o que estamos assistindo, no Brasil e no mundo, é o reconhecimento do fracasso de um modo de organizar e gerir o Estado, que se revelou inviável na prática, e uma correção de rumo em que o que apenas está cristalinamente claro é o que não se quer, sem que já esteja perfeitamente delineado o modo de organizar e de gerir pretendido. A eleição do Presidente Bolsonaro alterou o rumo, o aprendizado terá de ser feito no caminho.
Essa confusão entre o lógico e o ideológico está tipificando a presente quadra dos tempos, no Brasil, ensejando leitura de que se trata de guerra ideológica, quando, de fato, estamos diante de insuficiências lógicas. Nesse sentido, o epicentro da disputa, o olho do furacão, situa-se não no Congresso Nacional, envolto na busca de novos modos de fazer política – que, por razões de autopreservação, serão encontrados –, mas, no Ministério da Educação, onde novas demandas culturais de civilização pós-ideológica está exigindo nova lógica – uma lógica da totalidade ainda emergente e não dominada –, e, no entanto, o desafio está sendo atribuído a agentes ideologicamente formados. Por isso, a crise persistente no Ministério e as dificuldades de ajuste da máquina. Estamos diante de contingente e inescapável evolução perceptiva universal – problema de calibre planetário -, cuja operação demanda lógica da totalidade e modo de pensar completamente distinto do modo analítico usual da ciência, voltado para as partes e descuido do todo. É muito fácil criticar o ministro, mas, por justiça, convém ter em mente o tamanho do desafio que lhe foi atribuído e as dificuldades que os próprios agentes estão enfrentando diante de quadro inusitado: o modo adequado de fazer ainda não existe, terá de ser inventado. Mudar o foco – de ideológico para lógico – pode facilitar as coisas, mas, em vez de criticar, pode resultar mais útil ajudar, estudando lógica, e, ainda, ter paciência: dar tempo ao tempo.
Rubi Rodrigues
Brasília, abril/2019.