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A posição dominante da filosofia em relação à ciência

Alberto Ricardo Schnidt Patier - 07/04/2014

A posição dominante da filosofia em relação à ciência

  1. A. R. Schnidt-Patier[1]

 Na medida em que a Ciência avança na conquista dos antigos impossíveis, esboça-se na cultura de hoje uma reação que pode ser definida numa única frase: a Ciência é por demais importante para ser deixada unicamente para os cientistas. O que na Ciência pode ser contestado é o caráter formalista de suas teses que se traduz na adequação entre meios e fins e não no exame crítico dos fins. A Ciência é bela, mas limitada. Por definição é a eterna tutelada da Filosofia. E foi por haver ignorado essa autoridade que a Ciência precipitou a Humanidade na crise em que ora se encontra. É impossível comparar nossa cultura com os dois séculos precedentes sem sentir um profundo mal-estar. A Humanidade de então achava-se protegida pelas certezas que a Filosofia lhe dava. A de hoje encontra-se dividida e perturbada nos seus espaços e nas suas escolhas. E é pela necessidade de ver claro à sua volta que o Homem de hoje recorre uma vez mais à Filosofia, na esperança de reintegrar-se numa certa ordem de valores em que possa sentir-se seguro. Todos os caminhos nos conduzem de volta à Filosofia.

No presente estudo, pretende-se oferecer aos leitores uma visão panorâmica da Filosofia, explicar o que é e para que serve e porque uma vez mais precisamos dela. Habituados a conviver quase que unicamente com a Ciência, será profundamente gratificante retomar o caminho das primeiras verdades. Uma sensação de vertigem nos acomete ao avaliar a distância desproporcional entre a amplidão de nossa vontade de conhecer e a exiguidade de nossas certezas. Este contraste continuará a subsistir pelo tempo afora. O que sabemos será sempre muito pouco em relação a mais simples aspiração de conhecimento. Mas a verdadeira Filosofia nos engrandece por essa mesma proporção, apelando continuamente para todos os nossos recursos de Inteligência.

A História recente provou que a Ciência não é incompatível com a tirania e nem sequer necessita de um mercado livre ou de uma Democracia para desenvolver-se. Provou ainda que a ausência daquela antiga função moderadora promovendo a adequação entre meios e fins revelou-se desastrosa. A santificação dos fins, proclamada pela Ciência a serviço da Política e que resultou nos genocídios em Hiroxima, no terror nuclear e em outras manifestações racionalistas mais recentes, mostrou aos pesquisadores os perigos de uma Ciência eticamente descompromissada.

Mas não nos lamentemos mais do que convém. A Ciência perdeu sua arrogância, mas não sua eficiência. A realidade que nos rodeia é mais que uma prova a nos convencer do que ela é capaz. A pergunta a ser feita não é se estamos efetivamente progredindo, mas em que medida esse progresso nos convém. A Ciência nos oferece um pacote com uma mistura de oportunidades e riscos. Um cientista pode trabalhar em completa inocência e só anos depois descobrir que ajudou a criar uma monstruosidade.  A questão não é, portanto, proclamar a Ciência como inimiga da Humanidade, mas pô-la sob controle e essa função reguladora cabe por direito histórico e por consenso à Filosofia.

Depois de todas as desgraças conhecidas e o CONFITEOR da Ciência, todos os caminhos nos conduzem de volta à Filosofia. Esta, por sua vez, desceu das nuvens, para reassumir seu antigo papel de agente moderador do conhecimento. Com muita justiça foi posta no topo da Hierarquia do Saber, porque se dirige ao ser humano integral e não apenas à sua inteligência. O que confere grandeza e risco às indagações filosóficas é a necessidade e o dever de ir além da Ciência a fim de zelar pela herança do passado, compreender o presente e, tanto quanto possível, modelar o futuro.Como a Ciência, deseja ela o progresso, mas não o aceita de qualquer modo e a qualquer preço. O gosto pela perfeição moral a leva a exortar o homem a fazer constantes opções entre o bem e o mal, entre a estrada real e o descaminho, entre o possível e o desejável, ou seja, a um exame crítico dos meios e dos fins.

Esta constatação fundamental desencadeia uma série de indagações que envolve a todos. Esse anseio generalizado de um compromisso de seriedade com todas as questões relacionadas com a condição humana liga-se mais diretamente com o propósito de avaliar criticamente meios e fins – uma equação eminentemente filosófica.

Essa necessidade que o homem de hoje tem de reencontrar-se, de reorientar sua caminhada em direção a uma vida mais digna, mais justa, mais construtiva, leva-nos a oferecer ao leitor uma visão global daquilo que sempre foi considerado a grande aventura do espírito, a suprema atividade intelectual – a Filosofia.

O dano maior infringido à Filosofia é a ideia de que se tratava de um tema acessível unicamente a uma pequena elite de iniciados.  Na realidade, o problema filosófico é bem mais simples. Não havendo absolutamente nada que o homem possa pensar ou fazer que não se situe na área de interesse da Filosofia, as respostas que ela procura dar estão sempre juntas à raiz da vida, sendo, portanto, perfeitamente acessível ao senso comum.

Todos nós sentimos, desde a infância, necessidade de explicar o universo. E construir uma imagem do mundo, compreender como se ordenam as coisas em nós e à nossa volta, passa a ser uma necessidade incontornável.

Apresenta-se, desse modo, um eterno questionamento. Quem sou eu? Como posso distinguir-me do que me rodeia? O que sei? Onde está a fronteira do meu conhecimento? É possível saber algo mais daquilo que se situa além dos limites da minha capacidade de compreensão? Qual é a minha situação relativamente ao conjunto de coisas e qual é a relação das coisas entre si? Que razão suprema organiza essas relações? Quais são os meus deveres e o meu destino? Como vim parar nesse mundo? Qual é a minha verdadeira origem? Por que sou mortal? Qual o meu destino após a morte?

Muitas dessas indagações permanecem sem resposta porque ultrapassam necessariamente os limites de nossas certezas pessoais. Perante a amplitude desse questionário, a experiência humana, por mais variada que possamos imaginá-la, e a própria Ciência parecem assustadoramente débeis. Esse território desconhecido – a diferença entre o que se sabe e o que se procura saber – só pode ser alcançado por um extraordinário esforço de reflexão. E o homem em sua breve História outra coisa não tem feito.

A Terra, o Ar e a Água estão cheios de coisas vivas, mas, excetuando a Humanidade, elas quase nunca mudam, ou, se o fazem, é no decorrer de dilatado espaço de tempo. Os fetos crescem, os peixes nadam como faziam muito antes de os homens andarem sobre a Terra. O Homem, porém, transformou o mundo e a si mesmo. O que o caracteriza é a modificação deliberada pelo Pensamento. Ele é o Homo Sapiens – o Ser Pensante. O processo se acelerou quando o Homem começou a refletir filosoficamente. Em 2500 anos de História das Ideias, o homem chegou ao que sabe hoje. A atividade filosófica pressupõe, portanto, uma contínua incursão no desconhecido. Mas a par desse pioneirismo especulativo, se ocupa também de questões práticas: zelar pelo que o homem já sabe, vigiar as atividades da Ciência – e porque não, da Política  – para que o legado do Saber não resulte em prejuízo do próprio Homem, mas que seja aplicado visando a torná-lo mais sadio, mais sábio, mais rico, mais feliz.

Diante de tão elevados objetivos, a missão da Ciência parece estranhamente limitada. Por definição é a eterna tutelada da Filosofia. Isso revela uma posição dominante da Filosofia em relação à Ciência. Sem dúvida, sob o ponto de vista material, ciência e filosofia de aplicam aos mesmos objetivos: o mundo e os homens. Mas cada disciplina estuda esses objetivos comuns sob aspecto que lhe é próprio. A Ciência procura determinar as leis dos fenômenos. A Filosofia quer conhecer a natureza profunda das coisas, suas causas supremas e seus fins derradeiros. Se, então, a Ciência é verdadeiramente uma Ciência Universal – a Scientia Rectrix -, só o é enquanto tende a conhecer, não tudo, como pensavam os gregos, mas os primeiros princípios e os fins últimos de tudo.

Vê-se, por conseguinte, que uma explicação científica não é uma explicação filosófica; nem uma explicação filosófica uma explicação científica. O encadeamento dos fenômenos, tal como a Ciência visa descobri-los, deixa intacta a questão da natureza profunda das coisas, do valor e dos fins dessas coisas, prerrogativa exclusiva da Filosofia.

Pelo que se disse mate aqui, o estudo da Filosofia parte do princípio de que as coisas podem ser consideradas quer em si mesmas, quer em relação a nós. Do primeiro ponto de vista, trata-se simplesmente de conhecê-las por seus princípios supremos e por suas causas primeiras; é o objeto da Filosofia Especulativa. Do segundo ponto de vista, trata-se de saber como devemos saber, isto é, usar para nosso bem as coisas que já conhecemos. É o objetivo da Filosofia prática. Estas partes essenciais da Filosofia serão por outro lado, naturalmente precedidos de estudos da Lógica que é como que o instrumento universal do saber, enquanto define os meios para descobrir o que ainda não sabemos.

Nesses três grandes ramos da Filosofia, os estudiosos seguem geralmente essa sequência tradicional: Examinam, inicialmente, os problemas de Lógica; a seguir os da Filosofia Especulativa e, por último, os da Filosofia Prática. [2]

[1] A. R. Schidt Patier é obreiro da Loja Maçônica Miguel Archanjo Tolosa, Fundador da revista “EGRÉGORA” e membro da Academia Maçônica de Artes, Ciências e Letras do Grande Oriente do Brasil.

[2] Os aspectos mais importantes desse artigo foram extraídos de um estudo de uma revista da extinta Escola Nacional de Informações da qual o autor foi Diretor.

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