Notas para glossário da Academia Platônica de Brasília
Rubi Rodrigues - 07/06/2022
Glossário da Academia
NOTA: Limitamo-nos aqui a especificar os significados de alguns termos que adotamos na descrição da Metafísica que postulamos. Essa concepção, segundo entendemos, ampara-se no modo platônico de pensar e, por consequência, almeja, nos fundamentos, corresponder à concepção filosófica de Platão. Isso significa que acreditamos ter domínio do referencial cosmológico e epistemológico usado por ele na construção de sua obra e não tratar-se apenas de mais uma tese interpretativa da obra. Naturalmente a Metafísica resultante ganha agora expressão que capitaliza o conhecimento acumulado nos dois mil e quatrocentos anos que nos separam e, assim, tenta suprir deficiências conceituais expressamente registrada nos diálogos, resultando, pretensamente, em texto mais acessível à mente moderna.
METAFÍSICA – Entendemos por M. uma concepção filosófica que visa explicar racionalmente o advento e o desdobramento de um universo que teve começo. Para alcançar tal propósito a M. precisa atender aos seguintes requisitos: 1. Focar a existência e limitar-se à existência, dado que, embora inexistência represente uma alternativa lógica, existência constitui um conceito ontológico, sentido no qual, a inexistência constitui absoluta impossibilidade (Parmênides). 2. Ao restringir-se à existência, essa M. precisa modelar o âmbito da existência, distinguindo um âmbito ilimitado e um âmbito limitado, dado existirem fenômenos ilimitados e limitados. 3. A modelagem da existência em ilimitada e limitada é também exigida pela tese adotada por essa M. segundo a qual, todo limitado manifesto na existência, tem origem ou decorre de um ilimitado, em virtude da incidência de limites (Pitágoras). 4. Esclarecer como se estabelece a existência em ato a partir de pura potência de existir. 5. Especificar o percurso ontológico que separa a unidade indivisível do ser, da totalidade unitária e complexa, feita de partes, do ente (Platão). 6. Fornecer fundamentos para todas as demais ciências (Aristóteles) e viabilizar uma Teoria Metafísica do Conhecimento, que normatize o ato de pensar (Rodrigues). Essa M. lança alicerces em um princípio necessário – minimamente expresso com possibilidade de o universo vir a existir – e se consubstancia em leis universais delimitadoras dos espaços de possibilidades dentro dos quais a manifestação existencial do universo pode se dar. Essa M. admite a tradicional definição de M. como ciência do ser. Admite igualmente o significado etimológico da palavra como essência constitutiva da matéria, mas o ultrapassa na condição de essência constitutiva de uma existência mais ampla do que a matéria. Essa M. recepciona a distinção platônica de um mundo visível e um mundo inteligível, configurando um mesmo universo. Essa M. também recepciona a teoria das ideias ou teoria das formas de Platão e entende o universo como local de manifestação da organização.
EXISTÊNCIA – Entendemos por E. o âmbito no qual manifestam-se os fenômenos - limitados ou ilimitados e reais ou potenciais -, dotados de presença: presença, virtualmente detectável por capacidade perceptiva devidamente habilitada. Entendemos também por E., a propriedade elementar comum, que enseja que os fenômenos integrem um universo existente em ato. Um universo existente em ato, isto é, um universo real, compõe-se exclusivamente de fenômenos igualmente existentes, podendo estes serem reais ou potenciais. Os fenômenos ilimitados são potenciais. Os fenômenos limitados são determinados.
ORDEM – Entendemos por O. o conjunto de nexos lógicos, ontológicos e organizativos que, articulando os componentes necessários, configura um fenômeno complexo e limitado, e o determina enquanto manifestação existencial singular. Entendemos também por O. o conjunto de leis universais que determina o funcionamento do universo e o configura na condição de universo organizado e inteligível, isto é, na condição de cosmos. Nesse sentido, O. é a regra geral do jogo da existência.
SER – Entendemos por S., tal como o fazia Platão, toda a existência determinada, incluindo o próprio universo. Entendemos igualmente por S., a energia elementar edificadora do universo e de todos os fenômenos que o integram, razão pela qual afirma-se que tudo que existe possui um ser. Essa energia elementar ou básica a reconhecemos no ente humano na condição de intelecto operador da nossa consciência e formulador de nossas ideias, quando, em operações introspectivas de autoconsciência, nos destacamos do organismo que nos serve e percebemos que, em última instância, somos esse ser que pensa. Entendemos que esse S. nos constitui, permanece o mesmo durante toda a nossa existência e corresponde ao indicado pelo nome que nos designa, razão pela qual responde pela nossa identidade. Entendemos que, enquanto energia elementar edificadora do universo, o S. possui amplitude unidimensional, é unitário, indivisível e determinado. Emerge na existência na condição de movimento existencial e não enfrenta qualquer limitação a esse movimento existencial, dado que a natureza da existência relativa é ser movimento. Por último entendemos que o S. apenas surge na existência mediante movimentos de padrão transcendental, posto ser esse o único movimento ontológico capaz de produzir unidade.
DIMENSÃO – Entendemos por D., medida de amplitude existencial. Segundo a nossa concepção de Metafísica, a existência edifica-se a partir de uma singularidade energética indivisível, designada ser, desdobrando cumulativamente crescente complexidade, até atingir a condição de existência em ato, na forma de totalidade - segundo determinam as leis que regem a existência. Tanto o advento do ser, no início do processo, como o advento da totalidade, no final, resultam de movimentos de transcender, isso porque nos dois casos ocorrem mudança de natureza e geração de unidade. Dado que apenas na forma de totalidade, configura-se existência em ato, resulta necessário que o percurso entre as transcendências, constitua um percurso ontológico. Tratando-se de um percurso no qual o ser desdobra complexidade crescente, de modo cumulativo, resta igualmente necessária amplitude existencial crescente e correspondente, para que essa complexificação possa se dar. Nesse contexto, D. constitui o único critério capaz de distinguir as quatro diferentes amplitudes desdobradas no percurso ontológico, que são necessárias para recepcionar a existência conhecida (Einstein). Esse conceito de D., como indicativo de amplitude existencial, não deve ser confundido com o conceito cartesiano de coordenadas indicativas da amplitude do espaço: altura, largura e profundidade. Segundo a nossa Metafísica, espaço e existência possuem ambos amplitude, mas o espaço resulta contido na existência, configura apenas uma parte da existência. Assim, quando nos referimos a D., enquanto amplitude da existência, falamos de uma amplitude ampla e geral aplicável a tudo o que existe e quando falamos das coordenadas do espaço, falamos de medidas da amplitude do espaço. Podemos entender que altura, largura e profundidade, sejam valores de verdade assumidos pelas três dimensões existenciais que se somam na constituição da amplitude que recepciona ou corresponde ao espaço. Esses valores de verdade não teriam sentido no âmbito das outras dimensões. Na quarta dimensão do tempo, por exemplo, altura, largura e profundidade, não fazem qualquer sentido.
ADIMENSIONAL – Entendemos por A. a amplitude dimensional correspondente ao ilimitado. Desde que Platão observou que o ilimitado não pode ter limites, nem internos, nem externos, resta evidente que apenas algo adimensional atende a tais requisitos. Geometricamente, A. constitui característica do ponto. Metafisicamente, A. configura a única amplitude capaz de recepcionar atributos absolutos. Em Platão corresponde ao Uno, ao bem e à beleza em si, em Pitágoras, ao ilimitado. Em Metafísica, corresponde ao princípio necessário. Nas religiões corresponde à divindade superior. A propriedade do A. recepcionar atributos absolutos indica que, em uma ciência metafísica, apenas o critério dimensional pode modelar, racionalmente, o percurso ontológico que separa pura potência de existência em ato.
INTELIGÊNCIA ORGANIZATIVA – Entendemos por I.O. o conjunto de nexos lógicos e ontológicos que configuram e determinam que, qualquer fenômeno existente em ato, seja o que é e não seja algo distinto do que é. A I.O. reúne, molda e preserva, na forma de totalidade unitária, os elementos integrantes de um fenômeno existente em ato. Os fenômenos variam em termos de composição, potencialidades, funcionalidades, duração, propriedades e outros atributos, mas, independentemente da complexidade, sempre haverá uma I.O. respondendo por sua compleição. Adotamos a expressão I.O. para indicar o mesmo que Platão indicava por forma na sua teoria das ideias e assim evitar sua redução aos contornos da matéria. O conceito de I.O. também está presente em estudos da matéria nos quais foi identificado um campo de informação autorregulador respondendo por uma identidade própria dos átomos e moléculas, garantindo que um elemento não se converta em outro, ainda que, na instância espacial, apenas um elétron ou um próton sejam o que os diferencie. Configurando-se toda existência em ato, na forma de totalidade complexa feita de partes e dado que, na totalidade, as partes entram em repouso, a I.O. configura-se como força unificante empenhada na preservação da unidade que molda.
INTELIGÊNCIA CRIATIVA – Entendemos por I.C., uma estrutura natural e articulada, de lógica, geometria e matemática – movimento, forma e quantidade -, que regula e normatiza a criação de toda inteligência organizativa que molda o universo, em virtude da ação edificante do ser. Essa estrutura normativa constitui a natureza distintiva da existência limitada, enquanto âmbito de manifestação dos fenômenos. Essa I.C. corresponde ao limitante de Pitágoras e segundo entendemos, também à sua década sagrada. Em textos iniciais indicamos essa I.C. por Logos Normativo e ultimamente, em outros, por algoritmo da criação. A articulação dos conceitos de inteligência criativa, inteligência organizativa e ordem, permite caracterizar o universo como local de manifestação da organização. Permite igualmente entender que, em última instância, tudo o que existe resulta composto de inteligência, energizada pela ação edificante do ser, em seu impulso existencial. A I.C., expressa como modelo dimensional, revela a estrutura essência constitutiva comum de todos os fenômenos existente em ato e normatiza o processo de complexificação, do microcosmo ao macrocosmo.
LOGOS NORMATIVO – Entendemos por L.N., o modelo referencial que especifica e detalha a inteligência criativa, dando destaque, por meio da organização dimensional, aos conteúdos objetivos, normativo e gnosiológicos implícitos e correspondentes. Com isso o L.N. evidencia o papel paradigmático do modelo, na condição de referencial formal para o exercício metódico da razão. O L.N. revela a existência de uma correspondência estrutural entre o plano objetivo e o plano subjetivo da realidade, razão pela qual viabiliza uma solução lógica para uma teoria do conhecimento. Tendemos a usar a expressão L.N., na abordagem de questões gnosiológicas e usar as expressões inteligência criativa ou algoritmo da criação na abordagem de questões cosmológicas. Todas, porém, referem-se ao mesmo poder normativo universal.
ONTOLÓGICO – Entendemos por O. o processo gerativo que, em Metafísica, antecede ao surgimento de um fenômeno na existência. O processo O. é organizativo no modo cumulativo, se inicia com a transcendência do ser e culmina na transcendência que instala o fenômeno ou ente na existência, a partir de quando, tal fenômeno passa a constituir uma existência entre outras, compondo a diversidade fenomênica do mundo. Dado que somente a partir dessa segunda transcendência o fenômeno passa a existir de fato e manifestar presença no mundo, todo o percurso evolutivo situado entre as duas transcendências, configura-se O., posto que, embora inescapável para explicar racionalmente a edificação de uma totalidade complexa, a partir de uma unidade simples e indivisível, apenas pode ser percebido pelo sentido mental de percepção. O. é um conceito metafísico que diz respeito, não ao mundo visível, mas ao mundo inteligível de Platão. O processo gerativo O. não configura um percurso temporal, dado que antecede a existência em ato, constitui apenas um percurso de complexificação organizativa que culmina na formatação de uma inteligência organizativa totalizante. Apenas então passa a estar sujeito ao tempo.
LÓGICO – Entendemos por Lógico, uma relação obediente a um padrão formal de interação.
LÓGICA – Entendemos por L., uma ciência ainda não formalizada, destinada a tratar dos padrões lógicos de interação presentes na natureza. Entendemos a L. também como padrão de manifestação existencial, isto é, como movimento existencial, determinante de um modo de ser. Entendemos que a L. encontra-se presente tanto nos nexos e conexões que configuram a organização dos fenômenos objetivos, quanto nos nexos e conexões com as quais organizamos os fenômenos subjetivos da nossa racionalidade. Neste último sentido, aceitamos a definição clássica de L. como lei do pensamento. Superamos, porém, o caráter monológico e subjetivo da definição clássica, ao advogarmos a pluralidade lógica e sua aplicação ao mundo objetivo. Entendemos existirem basicamente dois tipos de padrões lógicos: lógicas dicotômicas e lógica complementar. Os padrões lógicos dicotômicos são quatro e distinguem-se um dos outros em razão da amplitude dos movimentos existenciais que os tipificam. As amplitudes de seus movimentos existenciais decorrem da amplitude dimensional disponível para esse movimento. Dado que no percurso ontológico da manifestação existencial do ser, são desdobradas quatro dimensões necessárias para disponibilizar a amplitude capaz de comportar a realidade, resultam estabelecidos quatro instâncias dimensionais, cada uma dotada de uma amplitude privativa. Em consequência, resultam identificados quatro padrões objetivos de interação – movimentos existenciais -, cada um determinado pela amplitude local, e ficam igualmente caracterizados quatro padrões lógicos correspondentes e determinantes de quatro modos de pensar. A lógica complementar é apenas uma e corresponde ao padrão de interação com o qual a inteligência organizativa reúne as partes e institui uma totalidade fechada em unidade. Dessa forma, entendemos que os padrões L. são cinco, correspondentes aos cinco estágios de crescente complexidade desdobrados pela inteligência criativa no ato de gerar existência em ato e correspondentes aos cinco modos de ser que se somam no estabelecimento do modo total de ser dos fenômenos. Adotamos a expressão padrões lógicos e não simplesmente lógicas, porque em algumas instâncias dimensionais pode ser útil distinguir mais de uma operação lógica específica obedecendo ao mesmo padrão de interação da instância.
DIFERENÇA ENTRE LÓGICO E ONTOLÓGICO – Entendido que o percurso ontológico percorrido pelo ser no estabelecimento de uma existência em ato, contempla cinco instâncias de crescente amplitude existencial e crescente complexidade organizativa - cada uma viabilizando um modo específico de ser, caracterizado por um movimento existencial próprio, e assim, por um padrão lógico específico -, resta claro que o termo ontológico diz respeito ao sentido criativo de instituição da existência, e o termo lógico diz respeito ao padrão de interação vigente em cada uma das cinco instância do processo de criação. O ontológico determina a existência e o logico determina os cinco modos de ser que se somam na definição do modo total de ser do que existe. As lógicas operam transversalmente ao vetor indicativo do processo ontológico de criação. As lógicas são ontológicas e apenas no conjunto das cinco, isto é, na condição de inteligência criativa, pode ser entendida como “lógica” da criação.
LÓGICA TRANSCENDENTAL OU LÓGICA DA IDENTIDADE – Entendemos por L.T. o padrão de movimento existencial ou padrão de movimento inferencial, para cuja realização, objetiva ou subjetiva, basta ou é exigida, a amplitude exata de uma dimensão existencial. Visualiza-se a amplitude de uma dimensão, contemplando o ato de traçar um segmento de reta em folha de papel: inicialmente, não há nada, depois, o traçado começa, se inicia. Depois, se estende por um tempo. Finalmente, o traçado cessa e se reestabelece a condição inicial de não haver nada. Dado que a reta ideal não possui espessura, o segmento de reta apenas indica o sentido do traçado, isto é, apenas uma dimensão da existência. Em nosso entender, apenas o ser possui amplitude dimensional unitária. Examinando as diferentes etapas ou os diferentes momentos desse ato de traçar, podemos identificar as características desse movimento existencial e definir o padrão lógico correspondente. Antes do início do traçado, não há nada, e depois do seu fim, tampouco. Logo, a principal característica desse padrão de movimento é o surgir e o desaparecer da existência. Em termos biológicos, lhes corresponde, respectivamente, nascimento e morte, ou, mais precisamente, a entrada e a saída do ser na vida. No intervalo entre esses dois movimentos de transcender, dá-se a presença do ser na existência, ou seja, o período de vida ou tempo existencial do ser representado pela extensão da reta. Em termos subjetivos, esse movimento existencial de uma só dimensão, apesar de exíguo, permite distintas inferências. A mais usual parece ser a inferência de perceber a presença do ser de algo, às vezes tão tarde que esbarramos na materialidade desse algo. A constatação, a todo instante, da diversidade fenomênica que nos cerca, se dá mediante inferências de percepção de presenças. Quando conhecemos o ser cuja presença percebemos e temos na memória um nome para designá-lo, realizamos uma segunda inferência complementar e, também, unidimensional, de identificação. Por essa razão Sampaio designou essa lógica por Lógica da Identidade, tendo inclusive postulado um princípio da identidade na formalização da operação de identificar-se ou de autoconsciência: (I2 = I) – leia-se: ter consciência de ter consciência (I2) resulta apenas na consciência de (I). Essa operação difere das operações da matemática quantitativa usual, onde X2 = X2, o que evidencia, de outro modo, que nos dois casos estão operando lógicas distintas. Observando a reta traçada no papel, atentos ao que acontece em nossa mente, constatamos primeiro a presença do traçado e logo identificamos o traçado como sendo um segmento de reta. Observe-se que essas duas operações limitaram-se ao contido no âmbito unidimensional, ao presente na existência. Nesse sentido, a designação de Lógica da Identidade parece mais apropriada. Quando, porém, com o mesmo padrão de inferência, constatamos o surgimento do ser na existência, sem que tenhamos acesso à instância existencial de onde ele veio, a designação mais adequada é Lógica Transcendental, designação que justamente ressalta estar envolvida uma instância situada além do alcance da nossa consciência. Uma inferência que nitidamente envolve um movimento de transcender, é a intuição. Na intuição, algo surge em nossa mente sem que lhe saibamos a origem ou o porquê da percepção ter surgido. Outra operação do tipo é o lembrar de algo esquecido ou que no momento não lembramos. Depois de um esforço, por vezes, lembramos e dizemos que fomos buscar na memória, mas realmente não sabemos onde fica essa memória e nem mesmo sabemos se trata-se de um registro pessoal ou de um campo akáshico. O que a experiência demonstra é que é através de uma inferência de padrão transcendental que podemos ter sucesso, tanto em lembrar como em intuir. Observe-se que todas as operações mentais acima mencionadas, são operações unitárias nas quais o percebido se apresenta de uma só vez pleno na consciência, sem cálculos e sem maiores considerações. Ou está na consciência ou não está, tal como a presença de uma lembrança que surge e depois desaparece da consciência em movimento exatamente igual ao do nosso ser individual que um dia apresentou-se, isto é, manifestou presença na existência e um dia a abandonará. Um exemplo bem claro de que o movimento existencial do ser resulta ser exatamente igual ao movimento inferencial que percebe e ilumina a consciência com a sua presença. Dado que o processo ontológico de constituição do ente, envolve o desdobramento cumulativo de dimensões, é na instância de uma dimensão, na qual apenas um padrão de movimento se faz presente, que resulta mais claro, tanto a igualdade entre movimento existencial e movimento inferencial, como o caráter dimensional das lógicas e dos modos de pensar por elas patrocinados. Outro modo de pensar patrocinado pela Lógica Transcendental é o ato de fé, que tanto está na raiz da religião como do processo de pesquisa das ciências, que faz um pesquisador dedicar toda a vida a um projeto, baseado apenas em intuição ou na esperança de descobrir um segredo da natureza. Nos dois casos, a mente parece lançar-se para além do seu alcance e auscultar um território desconhecido ainda envolto em mistério, mas que, curiosamente, não a intimida e, ao contrário, parece energizá-la e aguçar sua curiosidade. Constituindo um ato racional, posto que regulado por uma lógica própria e ainda que os resultados inferenciais não envolvam certezas, parece evidente que apenas a intuição pode nos orientar quando enfrentamos o desconhecido.
LÓGICA DA DIFERENÇA – Entendemos por L.D., ou padrão lógico da diferença, o padrão de interação típico facultado por uma amplitude de duas dimensões existenciais. Assim como na amplitude de uma dimensão constata-se a presença isolada e solitária do ser, na amplitude de duas dimensões a quantidade de retas e de seres possíveis, salta para infinito. Na amplitude de uma dimensão, apenas era possível o ser manifestar a sua presença, agora na amplitude de duas dimensões, não apenas as presenças podem ser infinitas, como surge a possibilidade de infinitas relações entre os seres. O conceito de simetria procura qualificar essas relações que podem manifestar-se desde franca semelhança até completa diferença, desde compatíveis até mutuamente excludentes, desde estáveis a até mutantes, de simétricas à assimétricas e assim, com infinitas aproximações e distanciamentos ou diferenças de tons de cores, disponibilizam-se as diferenças energéticas e as alternativas organizativas com as quais o ser pode promover ordem e complexificação. A L.D não indica apenas o ato objetivo segundo a qual a natureza faculta ao ser gerar inteligência organizativa potencial, mas também o ato subjetivo que nos permite qualificar essas diferenças e compreender tais potencialidades organizativas. A geometria de Euclides, em particular, revela e explicita, em parte, a inteligência estrutural contida nas formas. Observe-se que perceber diferença entre A e B, impõe-se, primeiro, identificar A e B e, somente depois, qualificar virtual relação que os conecte. Esse exemplo demonstra como as lógicas são cumulativas, da mesma forma que o desdobramento dimensional o é. Sampaio entendeu que a Lógica da Diferença [D] constituía, ao lado da Lógica da Identidade [I], duas lógicas de base, sem hierarquia entre ambas, embora não tivesse argumento definitivo para sustentar isso. Para nós, a Lógica da Diferença constitui uma lógica de segunda ordem, conforme acima demonstrado. Essa diferença resultou do fato da nossa perspectiva ser metafísica e a dele não. Esse fato não impacta o entendimento dos modos de operação das lógicas e apenas resulta em diferentes modos de formalizá-las. O ato mental de distinguir patrocinado pela Lógica da Diferença é sobretudo um ato simples de comparar o constatado. A Lógica da Identidade permite apenas constatar.
LÓGICA CLÁSSICA – Entendemos por L.C. a lógica proposta por Aristóteles que durante muito tempo foi considerada a única lógica capaz de fundamentar com segurança o raciocínio. A expressão lógica formal aplicada à Lógica Clássica tentava garantir-lhe a condição de lógica única, principalmente tendo em vista a Lógica Dialética que era tida como lógica da vida concreta, onde supostamente tudo pode acontecer e por isso não admitiria formalização. Hoje, não apenas a Lógica Dialética está formalizada, como a própria Lógica Clássica se encontra bem delimitada, com o princípio do terceiro excluído, que garante a estabilidade da interação em questão. Tratando-se do padrão de interação típico da amplitude de três dimensões, e sendo o âmbito objetivo caracterizado como espaço tridimensional, constitui, como sabemos, âmbito habitado pela matéria, de sorte que o movimento típico de interação local contempla interação de matéria com matéria. Esse padrão de interação costuma ser indicado como relação de causa e efeito. O princípio do terceiro excluído invoca estabilidade entre duas matérias que interagem. O sucesso na estabilização da interação bem como na não deformação ou corrupção dos elementos que interagem, viabiliza as cadeias sistêmicas, as ferramentas e enfim, toda a tecnologia de utilização de recursos materiais. Em face do terceiro excluído, Sampaio formalizou a Lógica Clássica como uma operação de dupla diferença pois a alteridade entre A e -A sem risco de entrar outro elemento, requer um ambiente estabilizado previamente: geometricamente, um recorte dentro de outro: [[-A [A]]]. Observe-se que a estabilidade da relação entre os termos no plano objetivo, resulta em confiança no resultado das inferências patrocinadas por essa lógica no plano subjetivo e explica por que constitui o modo de pensar predileto da ciência ou ao qual a ciência gosta de se restringir. Essa é a razão pela qual até hoje a ciência limita o seu universo à tridimensionalidade do espaço onde essa lógica vigora. A localidade espaço-temporal é o grande recorte que a ciência faz para trabalhar com relações estáveis de causa e efeito. O que o nosso modelo metafísico mostra é que o universo e a realidade, vão muito além disso.
LÓGICA DIALÉTICA OU DA HISTÓRIA – Entendemos por L. D. o padrão de interação típico de uma amplitude de quatro dimensões existenciais. Os organismos biológicos são dotados, como sabemos, de funcionalidades. A sua amplitude existencial ocupa, porém, toda a amplitude disponível nas três dimensões do espaço, de sorte que, tanto para o deslocamento da matéria quanto para a efetiva operação de tais funcionalidade, requer-se uma dimensão adicional de tempo, tal como demonstra o quarto número de Einstein. O confronto de matéria com matéria gera relações de causa e efeito, estáveis e previsíveis, segundo a Lógica Clássica, mas geram, também, consequências temporais ao relacionar antecedentes e consequentes. Nesse sentido histórico, de antecedentes e consequentes, o padrão da interação configura uma Lógica da História que, diferentemente da Lógica Clássica, gera consequências meramente estimáveis. A formalização da L.D ou L.H., foi feita na Idade Média, por Proclo, com a trilogia tese-antítese-síntese. Nesse caso, embora o resultado não possa ser precisamente antecipado, tal como nas relações estáveis de causa e efeito, podem ser estimados dentro de certo espaço previsível de possibilidades. A razão dessa imprecisão vincula-se ao nosso parco conhecimento de todas as variáveis que instruem tese e antítese, entrando por vezes o imponderável na questão. Essa perspectiva histórica potencializa certo domínio do processo evolutivo da humanidade, mas enfrenta, na descrição do passado, a mesma imprecisão presente na projeção do futuro, em razão do tipo de interação lógica envolvido. A par disso existem problemas relativos à visões distorcidas, ideológicas ou que de alguma forma geram interpretações sem fidelidade para com os fatos e a realidade, tanto no registro da história pregressa como na projeção do futuro. Com a percepção e o domínio da totalidade espera-se um uso mais competente e seguro do modo de pensar patrocinado pela L.D. A quarta dimensão representa o quarto estágio de complexificação do processo ontológico gerador de existência em ato. Dado que as lógicas operam segundo os movimentos de interação disponíveis em cada instância, e estas possuem amplitude crescente, resulta consequente que as lógicas sejam também crescentemente esclarecedoras a respeito da realidade. Assim a L.D. inscreve-se como a lógica heuristicamente superior do percurso ontológico dimensional.
LÓGICA HOLÍSTICA OU DA TOTALIDADE – Entendemos por L.H. o padrão de inferência que corresponde ao movimento existencial que transcendendo o percurso dimensional ontológico, instala a existência em ato na forma de totalidade. Temos adotado a forma da esfera para visualizar mentalmente a totalidade reunindo suas partes e fechando-se em unidade. Com esse artifício resta evidente que o movimento de interação nessa instância, possui padrão integrador, que precisa capitalizar complementaridades das partes e assim constituir uma nova realidade perfeita em sua unidade. Segundo o nosso modelo metafísico, essa totalidade é configurada por uma inteligência organizativa que, moldando o fenômeno emergente na forma de totalidade, habilita-o a integrar o mundo relativo, que só recepciona presenças na forma de totalidade. A L.H. diferencia-se das demais lógicas por ser uma lógica complementar que se vale das propriedades das partes e capitaliza complementaridades potenciais para gerar realidade nova, situada para além da mera soma das partes. As lógicas dimensionais, ao contrário, são lógicas dicotômicas que exploram diferenças próprias de cada amplitude. Na Lógica Transcendental contrapõem-se ser e não-ser. Na Lógica da Diferença contrapõem-se as diferenças simétricas. Na Lógica Clássica, contrapõem-se causa e efeito e na Lógica Dialética, conflitam tese e antítese. As lógicas dimensionais configuram o percurso conflitivo do processo ontológico de criação e a Lógica da totalidade configura instância de repouso organizacional. Estudos físicos, da energia constituinte dos fenômenos materiais, identificaram padrões vibratórios privativos e, também, um campo informacional responsável por manter átomos e moléculas sendo aquilo que são, evitando assim que um elemento transforme-se em outro, apesar da diferença de um átomo com seu vizinho na tabela periódica ser, por vezes, apenas um elétron. A ciência entende que esse campo informacional responde pela identidade do elemento e o mantém enquanto tal, apesar da ação de forças desestruturastes e da constante substituição de átomos sofrida pelos organismos. Esses estudos sugerem que a inteligência organizativa que molda as totalidades, configura-se como força unificadora poderosa que oferece grande resistência à corrupção da forma moldada em totalidade fechada em unidade. Estudos de energia atômica corroboram isso. A cultura lúdica da tradição já postula desde sempre que o amor seria a força mais poderosa do universo. O amor realmente afigura-se como uma manifestação de inteligência organizativa e da L.H. que respondem por reunir em unidade estável de átomos, elementos tão conflitivos como são elétron e próton. Sem a predominância dessa força unificante, virtualmente o universo continuaria sendo oceano caótico de energias primordiais.
TRANSCENDÊNCIA – Entendemos por T. o movimento de surgimento e de abandono, de um certo plano da existência, por parte do ser. O significado tradicional de T. coloca o conceito como antítese de imanência, referindo-se esta, a uma movimentação interna à matéria ou interna ao nosso mundo relativo. Nessas condições T. indicaria uma movimentação do ser entre dois mundos distintos ou entre existência e inexistência. T., tal como a entendemos, contempla o surgimento do ser no âmbito da existência limitada, no processo ontológico de constituição de uma existência em ato. Nesse caso a transcendência se dá entre a existência ilimitada e a existência limitada. Neste caso T. se aproxima do significado tradicional. Dado, porém, que em nosso modelo metafísico, o processo ontológico da inteligência criativa se aplica a tudo o que existe, independentemente da complexidade do fenômeno, sendo por meio de um movimento transcendental que surge toda inteligência organizativa e assim toda existência em ato, resta evidenciado que o processo de complexificação universal realiza-se mediante sucessivos atos transcendentais que articulam inteligentemente totalidades bem constituídas e geram totalidades cada vez mais complexas. Sabemos que a molécula de água é composta de átomos de hidrogênio e oxigênio, mas sabemos também que a molécula instaura realidade e possui natureza completamente distinta da dos átomos. Não se trata de mera soma das partes, o resultado transcende o mundo dos átomos e a realidade resulta ser totalmente outra. Nesse caso uma transcendência separa átomo de molécula. Assim, o nosso conceito de T. resulta necessariamente mais amplo que o conceito tradicional e revela-se elemento fundamental do processo de complexificação universal. A inteligência criativa, também designada de algoritmo da criação, ao adotar, no início e no fim do percurso ontológico de criação, movimentos transcendentais, configura o único modelo criativo capaz de responder pela complexificação universal partindo da menor singularidade quântica e indo até a totalidade do universo. Nenhum modelo criativo outro, desprovido da faculdade de transcender, pode, sozinho, desempenhar esse papel e apresentar essa universalidade.
RAZÃO – Entendemos por R., os nexos lógicos, ontológicos e organizativos, que se somam e se articulam na construção do universo. Entendemos também por R., a faculdade intelectiva dos seres vivos de, em alguma medida, perceber esses nexos e utilizar essa percepção para se conduzir na vida. Na espécie humana podemos entender R. como sendo a capacidade intelectiva de perceber, interpretar e entender esses nexos, e usar essa compreensão para conduzir-se, racional e conscientemente, na vida. O modelo ontológico que usamos para descrever a inteligência criativa e o processo gerador de organização, na forma de inteligência organizativa, destaca cinco instâncias cumulativas, disponibilizando cada uma, padrão de interação e padrão lógico correspondente. Estando envolvidos, nesse percurso estruturante da existência, uma sequência de cinco estágios organizativos, crescentemente complexos, resulta que as cinco lógicas sejam também crescentemente esclarecedoras. A contrapartida evidente é que as lógicas também apresentem crescente dificuldade de domínio e de operação. Com isso, essa senda de cinco lógicas e cinco modos de pensar crescentemente complexos, representa desafio que a natureza oferece ao homo sapiens para se constituir em homem pleno em sua racionalidade e em sua capacidade de ler e interpretar a natureza. Ao ser humano se coloca o desafio de conquistar a razão capaz de conduzi-lo em segurança pela existência. O indicativo dessa conquista é o domínio da Lógica Holística e a capacidade de perceber e pensar a totalidade. Tal como já exigia Platão, no Mito da Caverna, dois mil e quatrocentos anos atrás.